Capacitação Integrada dos Gestores do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) para os Municípios do Nordeste de Santa Catarina – AMUNESC
Estudando sempre!
Por Cleverson Israel 29 min de leitura
Nos dias 18 e 19 de agosto de 2025, os servidores da SEMAS – Secretaria Municipal de Assistência Social de São Bento do Sul participaram de uma capacitação, nos períodos matutino e vespertino, no auditório do Instituto Federal Catarinense. Foram duas palestras. A primeira ministrante foi a professora Gisely Pereira Botega. Noticiando o êxito de algumas experiências técnicas e burocráticas brasileiras, declarou que o Cadúnico é a maior tecnologia social do mundo para identificar pobreza e miséria extrema. Segundo sua fala, a violência, em muitas das vezes, é como uma fumaça tóxica, não tem cor ou cheiro, mas vai matando. Esse efeito é sentido pelas vítimas da violência, mas também pelos profissionais que trabalham com demandas enviesadas pela violência. Certos países não deixam os profissionais trabalharem no atendimento mais do que 5 (cinco) anos, a fim de preservar a saúde mental do trabalhador. Os processos de violência social no Brasil atual são reflexos e heranças de práticas violentas pretéritas. Para ilustrar esta ideia, a ministrante exibiu na projeção a imagem da escrava Anastácia (1740-…). A pintura foi realizada pelo francês Jacques Arago (1790-1854), em 1817. Segundo consta, a mulher escravizada referida sofreu a imposição de uma máscara sobre a boca, por ter recusado prestar favores sexuais a seu patrão. Muitas leituras decorrem daí. Há quem diga que o acessório era usado para evitar que essas pessoas comessem cana-de-açúcar, lavoura na qual trabalhavam. Outros dizem que era para evitar suicídio, visto que alguns se matavam comendo terra ou outros elementos não comestíveis. A manutenção da vida desse ser oprimido e infeliz, por conseguinte, justificava-se como quem resguarda uma mercadoria, um animal, um meio de produção. É, para além de tudo isso, outrossim, um silenciamento. É o obstáculo à satisfação de uma das necessidades mais sagradas do ser humano, a alimentação. Não é por nada que Anastácia, e as mulheres de agora que sofrem violência do companheiro, sejam alvejadas na região da face, pois pela linguagem facial é expresso o sentimento, o pensamento, a personalidade em geral. Foram exibidos trabalhos da artista plástica Rosana Paulino (1967-…), os quais transmitem a condição da mulher no mundo de hoje de um modo ímpar, colmatando aquele espaço que a escrita não consegue ocupar. Já em sede de revisão de literatura, emergiram alguns nomes, como o de Mary Del Priori (1952-…), que, dentre outras obras, escreveu História da Criança no Brasil. Também foi mencionada a filósofa francesa Élisabeth Badinter (1944-…), autora de Um Amor Conquistado: o mito do amor materno. A painelista partilhou a informação de que 50% das mães do Brasil são mães solo. Dessas, 86% se acham em situação de vulnerabilidade. O Brasil é o país que mais tem pets no mundo. Esses números falam por si sós. O perfil das famílias é este: em metade delas não há a figura masculina de referência, ao passo que certas carências, de algum modo, visam encontrar compensações mediante adoção de pets. Esses percentis nos remetem à pergunta: em que contexto emocional o bebê foi “marinado”? A maternidade típica se vê envolta por excesso de trabalho para a função de cuidado. Esse é o desafio do maternar (verbo) ou da maternagem (substantivo). Jorge Broide é um autor que usa a psicanálise em situações sociais complexas. Ele explora técnicas ou pontos de ancoragem, isto é: o que faz a pessoa se sentir viva, ou o que faz ela lutar pela subsistência? Onde está o desejo? Estas perguntas são importantes para situar a sensação frequente de fracasso e impotência. Após esta explanação foi aberto um momento para perguntas, o que acabou rumando para uma conversa informal, porém séria, entre plateia e preletora. Feitos os agradecimentos recíprocos, foi passado o bastão da palavra para a palestrante seguinte, a professora doutora Karen Rayany Ródio Trevisan. Karen principiou a exibição de seus saberes informando que o Brasil é o terceiro pior país em termos de saúde mental, dum total de 64 pesquisados. Ressalva ela que, se o contexto explica a crise, então talvez não seja transtorno mental. É social e não biológico. Em 2018, 18% das pessoas estavam preocupadas com saúde mental, e esse percentual subiu para 52%, em 2024. Entre os elementos estressores, destacam-se os seguintes: globalização, altas exigências, avanço tecnológico, acesso a informação, ritmo de trabalho e vida, mercado de trabalho competitivo, exigente e complexo, intensificação do trabalho, consequência da pandemia, perda de direitos trabalhistas, frustrações ou preocupações com o futuro, medo do desemprego, dentre outros. Christophe Dejours (1949-…) escreveu a obra A Loucura do Trabalho: estudo de psicodinâmica do trabalho. Nela, ele busca entender por que algumas pessoas suportam mais estresse e fatores adversos do que outras. O fato é que há um descompasso entre o trabalho prescrito e o trabalho real. O trabalho prescrito é conceitual, contornado pelas atribuições e competências, é formal. Já o trabalho real considera o desgaste, o estresse. As condições dentro das quais a atividade é desenvolvida impactam o modo de estar do trabalhador. Entre as condições inadequadas temos: falta de segurança na locomoção até o local de trabalho, precarização do trabalho, excesso de demandas, pressão por resultados, cumprimento de tarefas que exigem muito esforço físico ou mental, etc. Os estudos demonstram que há maior desgaste físico e emocional em quem exerce função de cuidado. A carga mental de trabalho é um dos riscos mais discutidos. O problema não é a carga, mas a sobrecarga. Quando se verifica sobrecarga, é porque a pessoa não dá conta, falta capacidade ou preparo. Já a situação inversa, a subcarga, a atribuição fica muito abaixo do que a pessoa pode render. O conceito de carga relaciona-se ao esforço mental necessário para a realização de uma atividade, comparado com a capacidade do executor. O esforço mental abarca o aspecto cognitivo e o afetivo. A condição psicossocial de trabalho junge-se aos relacionamentos próprios do ambiente corporativo, ao passo que a condição organizacional de trabalho refere-se a critérios objetivos como o tempo para a execução de uma tarefa dada. Analisando bem, para cada possível risco é exequível a realização de uma diligência de proteção. É assim que montamos a tabela a seguir:
RISCO | PROTEÇÃO |
Dificuldades ambientais. | Compartilhamento de informações. |
Necessidade de dividir o foco da atenção. | Suporte para o aprendizado. |
Falta de suporte para resolução de problemas. | Busca de autoeficácia. |
Ausência de orientações padronizadas para a realização das atividades. | Controle emocional. |
Caminhando para as considerações finais, a painelista encerrou sua prédica afirmando que o corpo adoece para comunicar uma situação. Ou dito de outro modo: o transtorno mental somatiza (no corpo) como representação. Finda a explanação, e dada a abertura para perguntas, objeções ou comentários, houve a troca de experiências dos técnicos e a devolutiva da condutora da ministração, casando o cotidiano dos trabalhadores do SUAS com as diretrizes teóricas do mais refinado quilate. A professora disse que “o mundo é de quem faz”, encetando para a compreensão de que, a solução de tudo aquilo que bate à nossa porta, depende de determinação e engajamento, mais do que qualquer outra coisa, mais do que a expectativa de fazer constar em nosso currículo uma formação acadêmica extraordinária. Ambas as palestras alumiaram grandemente nossa atuação como servidores da Administração Pública, seja acrescentando conhecimentos, seja instilando novo ânimo voltado às necessidades reais do cidadão que reside em nossa querida São Bento do Sul. A capacitação foi de muita luz!