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Reflexões acerca da pedofilia virtual

O tesouro da sociedade: crianças e adolescentes!

Por Cleverson Israel 18 min de leitura

O Brasil assistiu à campanha do influencer Felca contra a prática de adultização e erotização de crianças e adolescentes, no ambiente virtual, com vistas à monetização oriunda dessas exibições. Deveras, é deplorável que os pais, ou os responsáveis por uma pessoa em processo de formação da personalidade, utilizem-se dela, da sua dignidade e intimidade, com o intuito de auferir renda fácil e passiva. A percussão da denúncia foi enorme, com direito a Jornal Nacional e Fantástico, da Rede Globo, e capa da Revista Veja, da Editora Abril. Presta à sociedade, valioso serviço, quem milita em favor dos direitos e garantias da criança e do adolescente. Entretanto, será que o único objetivo ou o objetivo maior concentrava-se nas prerrogativas estatutárias do público credenciado pela respectiva faixa etária? É preciso deixar claro que o aspecto aparentemente colateral dessa discussão é o mais importante, do ponto de vista econômico. Estamos a nos referir à briga entre a Rede Globo e as big techs. Uma empresa de comunicação, como a Rede Globo, investe pesado na produção de conteúdo informativo. E os sítios de notícia se apropriam desse conteúdo e relançam essas matérias na rede, sem ter de pagar por isso. Essa é a grande questão. Lembrando o amável leitor de que, de tudo o que uma empresa de comunicação produz, ínfima parte chega ao telespectador. Isso ocorre porque, justamente, a emissora só divulga aquilo que tem o potencial de lhe gerar uma vantagem. Por conseguinte, um conflito que versa sobre direito autoral foi direcionado à vulnerabilidade de crianças e adolescentes. Em tempo: deve-se reconhecer que as plataformas dispõem de todos os meios para coibir a busca por conteúdos impróprios na rede, e não no fazem por preferir lucrar com a sanha de pedófilos. De fato, a pedofilia não é só um problema de pobre. Ela não escolhe classe social, nível de renda, nível de escolaridade, raça, etnia, idade, etc. Lado outro, temos que ficar atentos para não despolitizar a discussão. O bem-estar de uma criança é o reflexo de um conjunto de políticas públicas sociais e garantias jurídicas, como vida, saúde, alimentação, educação, cultura, moradia, lazer, etc. Precisamos tirar as crianças da frente das telas. E para isso é necessário ofertar alternativas. Curso de idiomas, robótica, dança, música, artes em geral, esporte, e por aí vai. Não é preciso criar uma lei nova para proteger crianças e adolescentes, eis que já existe o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, que é de 1990. Cumpra-se o ECA. A propósito, meus parabéns ao Ministério Público e às Varas da Infância e Juventude, que têm promovido, com zelo, empenho e destemor, o adimplemento do aludido diploma legal. A dimensão ética é inescondível. O interesse da criança recebe, na Constituição Federal, prioridade absoluta, pelo que ovaciono o constituinte. Quem padece dessa patologia – desejo sexual por crianças – precisa buscar ajuda. É dever do Estado oportunizar profissionais de saúde para tratar essas pessoas. Não foi uma discussão fora de hora. Foi uma discussão certa e meritória, suscitada por razões erradas e interesseiras. Dinheiro não é desimportante, mas existem realidades muito mais importantes do que ele. Nem tudo é lícito quando a meta é amealhar renda. Uma das finalidades mais nobres dos recursos econômicos é assegurar a dignidade dos seres humanos. Jamais seja invertida esta equação, isto é, flexibilizar a própria dignidade para obter dinheiro ou patrimônio. Realmente, pedófilos existem. É falha, todavia, a noção de que em cada esquina desse país existe um pedófilo enrustido e encalacrado. Deixar as pessoas em pânico é uma estratégia para suspender seu juízo crítico e racional, facilitando a aceitação de qualquer ideia que se lhes queira inculcar. Se, de tudo isso, for possível extrair alguma utilidade, ela consiste nisso: todos os atores da rede de proteção, família, sociedade, autoridades e os cidadãos em geral, devemos estar atentos, sem nunca relaxar na vigilância, para que ocorrências envolvendo violência contra crianças e adolescentes sequer cheguem a se concretizar. Ninguém é obrigado a viver perpetuamente no anonimato. Porém, é recomendável que a pessoa tenha desenvolvimento mental completo antes de se tornar uma pessoa pública. Tirar de uma criança o direito de ser criança, atribuindo-se-lhe ares de adulto, tem o impacto de solapar uma fase do seu desenvolvimento, malferindo sua existência para todo o sempre, desde o adulto jovem até seus dias de pessoa idosa. A missão mais importante de uma geração é preparar a geração seguinte. Deixemos bons filhos para o mundo, e um bom mundo para os nossos filhos. Que infelicidade desta nossa época: o exibicionismo foi colocado no lugar do trabalho suado e duro. Como dizia meu avô, “o que vem fácil, vai fácil”. Portanto, …