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Entre cadernos e onças

O óbvio que carece ser dito!

Por Cleverson Israel 17 min de leitura

No dia 04 de junho de 2025, a Escola Classe Olhos D’água, de Brasília, enviou um ofício aos pais dos alunos, pedindo que as crianças fossem pegas pelos responsáveis no final do expediente vespertino, ao término das atividades didáticas, para que as mesmas não fizessem o percurso, da escola à casa familiar, desacompanhadas. A razão? Pela redondeza estão a circular três onças, uma adulta e dois filhotes. Além de terem sumido galinhas e patos, a fera abateu animais de grande porte, como cavalos e bodes. A polícia ambiental sinalizou que remanejará a alcateia para uma área mais distante dos locais povoados. Que juízo emitir a respeito dessa circunstância? Ab initio, pontuo que sou um ferrenho defensor do meio ambiente, da flora e da fauna. Habitante de São Bento do Sul (SC), resido no Bairro Schramm. Hoje é possível ver tucanos, papagaios, periquitos, jacus, bugios, lagartos (principalmente o teiú), gambás, e outros animais ao redor de casa, conforme é costume marcar presença na respectiva estação. Como resultado de todo o trabalho de conscientização feito nas últimas décadas, a fauna logrou recompor suas perdas populacionais. Prova disso, é que em plena pandemia de Covid-19, podia-se ver, durante o lockdown, animais selvagens circulando pelas vias centrais de Paris. É, portanto, um fenômeno mundial. Muitas espécies saíram da zona de “risco de extinção” para “espécie ameaçada”. Os animais podem ser classificados em três categorias, segundo o nível de proximidade com o ser humano: domésticos, aqueles totalmente adaptados; selvagens, os que, em geral, não convivem harmoniosamente conosco; e os sinantrópicos, que estão mais ou menos no meio destes extremos. Algumas pessoas têm onças de estimação, entretanto, ela nunca será, por exemplo, como um gato. Nela, pode-se confiar, sempre desconfiando. Uma onça que, desde filhote, foi criada e acostumada com humanos, se abandonada no seu hábitat natural, passa por um rápido processo de feralização, como se nunca tivesse tido contato com pessoas. Assim como os animais selvagens têm direito à vida, o ser humano tem direito à segurança. E a vida de um humano vale muitíssimo mais do que a vida de um animal. Havendo o concurso de prerrogativas, ou conflito jurídico de interesses, a contradição deve ser resolvida em favor da pessoa humana. Não basta redirecionar esses animais para outras áreas. Mesmo que as animálias sejam deslocadas, nada impedirá que elas retornem ao ponto onde estiveram. O fato de crias domésticas terem sido predadas, significa, aliás, que o ambiente natural não consegue proporcionar o recurso alimentar adequado para o trio. Felinos de grande porte simplesmente não podem dividir o espaço conosco. Não é certo que corramos o risco de nos tornarmos repasto de feras. Quando o Estatuto da Criança e do Adolescente diz que nenhuma criança será exposta a situações de violência, de risco, de agressão, sendo a sua vida e a sua dignidade invioláveis, isto não se aplica exclusivamente aos adultos, a outros seres humanos, mas a tudo quanto possa malferir estas diretrizes, mesmo que se trate de forças da natureza. Recomenda-se, pelo exposto, o abatimento destes animais. É bastante conveniente que o Estado ponha fim à vida destes animais, justamente porque ele tem legitimidade para tanto. Se o Estado não no faz, a tendência é que um cidadão, na clandestinidade, o faça, para compensar a inércia estatal. Quero dizer, por isso mesmo, que não devemos devolver esta competência ao cidadão jurisdicionado. Aquele que, de per si, decide processar (uso este verbo no seu sentido mais amplo) uma demanda que ficou sem resolução por parte do poder público, restará sugestionável para incorporar aos seus auspícios outras matérias que remanescem in albis. Simplesmente orientar as pessoas que tenham cautela, é pouco, é insuficiente. Quando um cidadão mata uma onça, ou mais de uma, para proteger sua família, comete um crime ambiental. Quando o Estado abate um animal em nome da segurança da coletividade, está colocando em marcha uma providência. O Brasil fez o dever de casa criando numerosas áreas de preservação. Somadas as extensões destas áreas, elas cobrem dimensões superiores à de muitos países. As áreas referidas são o lar de incontáveis plantas e animais. Ali a onça tem precedência sobre o ser humano. Por conseguinte, o ecúmeno, o espaço geográfico, aquele espaço físico que é repleto de sentido para a pessoa humana, porque ali se edifica o que denominamos “civilização”, é de nossa titularidade. A universalização do ensino engloba a garantia desses mínimos existenciais, poupando o novel estudante de ter que perfazer a trajetória até a unidade escolar em estado de alerta, o que, com toda certeza, não se harmoniza com a paz necessária para o êxito na aprendizagem.