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“Ocho años de cárcel a un humorista en Brasil por chistes vejatorios contra negros, obesos, indígenas o gais”

Sorrir ou chorar?

Por Cleverson Israel 17 min de leitura

Recentemente (a notícia é de 05 de junho de 2025), o comediante Léo Lins, de 42 anos de idade, foi condenado pela Justiça Federal a 8 anos e 3 meses de reclusão, em regime inicialmente fechado. A condenação foi cumulada da aplicação de uma multa no valor de 1.170 salários-mínimos nacionais, mais uma indenização no montante de R$ 303, 60 mil, a título de danos morais coletivos. A ação penal foi oferecida pelo Ministério Público Federal, calcada no suposto cometimento (no ano de 2022) de condutas tipificáveis como crimes contra a honra e discriminação. As anedotas ironizavam situações de abuso sexual, zoofilia, racismo, pedofilia, gordofobia, crimes e tragédias. O teor da sentença prolatada pontuou que a prática, alvo da atenção judicial, estimula a violência verbal e a intolerância. Creio que essa decisão passará a ser reconhecida como um marco no direito de expressão no Brasil. A liberdade de pensamento e expressão é uma garantia constitucional, mas esse direito não é absoluto. O alvo das chacotas incluía não só pessoas físicas, senão ainda grupos sociais. O humor negro de Léo Lins é o exemplo perfeito do que o ordenamento jurídico pátrio e a sociedade brasileira não pretendem continuar tolerando. A intolerância é intolerável. Ninguém tem o direito de rir (ou de auferir renda para a própria subsistência) à custa do sofrimento alheio. Diga-se de passagem, é justamente o abuso da liberdade de expressão que força o Judiciário a impor limites ao seu exercício. A piada nem sempre é inocente. O piadista não é um terrorista, mas o viés burlesco, cômico e caricato das falas, não é um passe livre para dizer tudo o que vem à cabeça. A notícia da condenação repercutiu tanto, que o caso galgou visibilidade internacional. O maior periódico internacional de língua espanhola, El País, colocou uma chamada de capa para a matéria, a qual pegamos emprestada para usar de título do presente artigo, divulgando o ocorrido e seus desdobramentos. Não quero ensinar os juízes fazerem o trabalho que a eles compete, mas sugiro que não há critério mais adequado na aferição de ações que versam sobre esta matéria do que a qualidade conceitual. Um texto pode fazer uma crítica duríssima a um ponto de vista, a uma ideia, a um valor. Porém, se tudo isso for expresso com racionalidade e ponderação de vocabulário, a mensagem deve ser interpretada como reflexão, e só em último lugar como crítica. Diferente é a fala impertinente e estabanada. A mensagem legítima sempre está compromissada com uma intencionalidade valiosa do ponto de vista ético. Em traços largos, penso que devemos dar trela ao direito de expressão até onde for materialmente possível. A judicialização, e consequente reprovação estatal, é medida última e excepcional. Em tempos de redes sociais virtuais, em que toda e qualquer pessoa pode ser criadora de conteúdo, fica o aviso e o alerta, do que pode e do que não pode fazer e falar (ou, no caso, escrever). O apenamento de um homem branco, com milhões de seguidores, é o recado expresso em letras garrafais, de que ninguém tem o direito de reproduzir condutas idênticas ou análogas à que ele protagonizou. Uma das pragas sociais mais perniciosas é o preconceito. A discriminação, a acepção de pessoas, por motivos vários, é o que degrada o tecido social da coletividade. E a comédia, que recepciona conteúdos discriminatórios, trabalha como um maquilador que confere uma aparência bonita àquilo que, na verdade, é algo hediondo. Acertada, eia, pois, a decisão que apreciou a demanda, bem como o viés da resolução dada ao objeto da análise. A ampla divulgação midiática, conferida ao caso, força os magistrados, de todas as Comarcas e Tribunais do país, a vincularem-se a essa histórica jurisprudência. Se a comédia é uma arte, sendo consabido que todo gênero de arte se liga ao estético, construímos o consenso de que, estética e ética não apenas se mostram como verbetes de fonética similar, mas as duas, necessariamente, haverão de caminhar de braços dados, do contrário, os detratores, estes sim, serão cingidos por algemas. Até o humor ficou sério. Foi preciso. A vida pode ser engraçada, e mais leve, poupando aqueles que padecem os muitos estigmas sociais. O divertimento é um elemento fundamental da natureza do ser humano. Henri Bergson escreveu a obra O Riso, e Sigmund Freud, escreveu numerosas linhas sobre o “chiste” (como aparece na tradução que li). Entrementes, Aristóteles (384-322 a. C.) nunca é velho demais para nos recordar de que “o homem inteligente não diz tudo o que pensa, mas pensa tudo o que diz”. Cautela é coisa que se recomenda no estudo e no trabalho, e, ainda, no entretenimento. O homem cauto cintila por aquilo que diz e por aquilo que deixa de dizê-lo. Cautela e previdência são luz!