Tesouro entregue aos dilapidadores
Certas coisas são inestimáveis!
Por Cleverson Israel 18 min de leitura
Os vereadores do Partido Liberal, da Câmara de São Paulo, lutam por aprovar uma redução real salarial dos professores, na ordem de 3 a 4%, nos próximos dois anos, ou seja, em 2025 e 2026. A informação, escandalosa em si mesma, deve ser colocada no seu contexto. Esses mesmos camaristas aumentaram o salário do prefeito, e o próprio, em 37%, no final de 2024, em razão do que, esses parlamentares auferem vencimentos mensais equivalentes à importância de R$ 26 mil. Em São Paulo, capital, o rendimento de quem exerce o magistério gravita em torno de R$ 3 mil a R$ 4 mil. E, por isso, Lucas Pavanato de Oliveira, um jovem político de 26 anos de idade, membrado à sigla do PL e, portanto, caudatário das ideologias conservadoras (o que contrasta com a própria nomenclatura da agremiação partidária), o mais bem votado na última eleição para a vereança, com 161.386 votos chancelados, defendeu a redução salarial da categoria professoral, alegando que ela já está acima da média verificável na maioria dos ofícios. Evidentemente, o coletivo se articulou promovendo uma greve contra a iniciativa legal, tão inconveniente e inoportuna como só ela ou seus patrocinadores. Ante a resistência laboral dos atingidos pela medida, o referido legislador chamou de “vagabundos” aqueles que lhe deram conhecimento e educação desde o berço. Pode existir mais grave ingratidão? Eu não nego a dignidade e o valor do trabalho daquele autônomo que obtém a subsistência com um carrinho de pipoca na praça. O que eu faço questão de pontuar é a peculiaridade do trabalho do profissional docente. É uma responsabilidade muito grande. Nós precisamos implementar medidas que aliviem e, até onde possível, suprimam o estresse financeiro, psicológico e somático dos profissionais da educação. Devolvamos aos professores o merecido reconhecimento social. Punamos os puxadores de campanhas de desqualificação de tudo o que envolve o processo formativo de seres humanos. A começar pela responsabilização desse inexperiente, por quebra do decoro parlamentar. A começar por essas lives ridículas falando mal da escola, da universidade, do professor, do conhecimento, dos livros e congêneres. O discurso agressivo e petulante vociferado por sedizentes conservadores – a propósito, eles conservam o quê?, não estão conservando, mas destruindo o que ainda resta de bom em nosso país, – ecoa e faz sentido a eleitores alienados no nível mais extremo. Faz sentido àqueles que nunca estudaram em uma universidade, em sua maioria, àqueles que não estudaram na escola, mas simplesmente passaram por ela, com o mesmo nível de consciência que um tijolo de barro passa pelo forno de uma olaria. Essa lógica perversa de malferir o já reduzido rendimento da categoria dos professores é prole de um sentimento egoísta que não suporta a (merecida) premiação alheia. Não ocorre a esse perfil de eleitor que ele próprio, eventualmente, ou um de seus filhos, possa seguir essa trajetória no serviço público. Os olhos da sua mente estão fechados à verdade de que algumas profissões denotam maior utilidade pública do que outras, ainda que todas elas sejam necessárias. Não se percebe que quanto menor for a média salarial de todos os ofícios, profissões e funções, maiormente propensos todos ficaremos expostos ao achatamento salarial. A economia é uma rede. O que impacta um nó, impacta a rede toda. A pilhagem financeira em face dos professores é a antecâmara do processo de privatização, ou para ser mais exato, do entreguismo. Em muitos municípios do território nacional é isto o que vemos: de um lado, a escola pública, com baixa infraestrutura, péssimas condições de trabalho e professores desvalorizados, e, de outro lado, a escola privada, com poucos alunos, superestruturadas, no entanto, acessível a poucos, os privilegiados. No futuro, esse panorama vai mudar. Se a escola pública for gradativamente substituída pela privada, a tendência é que tenhamos escolas privadas de excelente qualidade, como sempre tivemos, e, outras, elas serão a maioria, com mensalidades mais suaves, sem o mesmo potencial de rendimento, um escola ruim, ainda que paga. Essa escola, paga e ruim, afronta o princípio ético-político que norteia todo cidadão engajado com a formação de seres humanos cívicos: uma escola pública (para todos), gratuita (sem mensalidades) e de qualidade. Tudo entra na lógica do mercado: mercado de ideias, mercado de certificados, mercado de mercadorias simbólicas, tudo é comprável e passível de aquisição. Mais importante que o aproveitamento dos conteúdos é a pontualidade das mensalidades. O aluno e seus responsáveis são transformados em clientes. É a ruptura com os pressupostos mais basilares da educação, aquilo que Sócrates já defendia, a proscrição do aspecto venal da formação. Fora os sofistas! Fora os vendilhões de sabedoria! Conhecimento não é mercadoria, conhecimento é luz!