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Instrumentalidade técnica e políticas sociais

Nos dias 03 e 04 de abril do corrente ano (2023), alguns servidores passamos pela capacitação “Instrumentalidade Técnica e Políticas Sociais”. O curso foi disponibilizado pelo Cairo Instituto, sendo a professora a Sra. Vanessa Bellão Pereira Antonio. Ela é assistente social de formação. As políticas públicas avançam de forma circular, dentro da sequência agenda-formulação-implementação-monitoramento e […]

Por Israel Minikovsky 56 min de leitura

Nos dias 03 e 04 de abril do corrente ano (2023), alguns servidores passamos pela capacitação “Instrumentalidade Técnica e Políticas Sociais”. O curso foi disponibilizado pelo Cairo Instituto, sendo a professora a Sra. Vanessa Bellão Pereira Antonio. Ela é assistente social de formação. As políticas públicas avançam de forma circular, dentro da sequência agenda-formulação-implementação-monitoramento e avaliação, sendo este último elemento sucedido pelo primeiro termo da série. O planejamento se presta a preparar o trabalho, serve para firmar objetivos. Ele é racional e ligado a decisões, jungido a rotinas e muita disciplina. A palestrante referiu-se ao navegador Amyr Klink, que escreveu a obra “Cem dias entre o céu e o mar”. O brasileiro referido é um modelo em planejamento. Ele leciona que, no mar, a linha mais rápida entre dois pontos nem sempre é a reta, mas aquela que conta com o máximo de condições mais favoráveis. Um problema comum com que nos deparamos em qualquer coisa, e que foi uma realidade na elaboração do planejamento de viagem de Klink, é a escassez de dados e informações. O planejamento deve levar em conta a característica das políticas em que atuo, do serviço e do público com o qual trabalho. Um dos objetivos do instrumental é definir os instrumentos. E aí nós temos outro circuito: reflexão-decisão-ação-retomada da reflexão. Quando digo a mim mesmo: “Isto não é meu!”, já devo tentar responder “A quem pertence esta matéria?”. É um truísmo, mas é autêntico e útil, por vezes, o instrumento é este: chamar o outro para tomar um café. Tanto refletindo quanto decidindo, eu estou estabelecendo prioridade. Devemos concatenar planos, programas e projetos. A aprendizagem é feita de sucessivas aproximações. Precisamos conhecer o território sobre o qual fazemos nossas ingerências. É preciso que fique claro quais são as competências e atribuições dos profissionais e das equipes. Se não conseguimos alcançar a resolutividade, com certeza, é imperioso que cheguemos a uma resposta qualificada. Ser referência é o oposto de ser preconceituoso. No Estado de São Paulo se verifica esta situação com alguma recorrência: uma mulher com vários filhos, de vários homens que estão presos. Existe, na referida unidade da federação, uma maior densidade da população carcerária, e então é mais comum ocasiões como esta. É justamente ante uma conjuntura dessa natureza que o profissional tem de se despojar de perspectivas estigmatizantes. As equipes devem ser compostas preferencialmente por servidores efetivos. Presume-se que eles tenham um maior compromisso com o serviço, por uma questão de continuidade, não são pessoas que apenas “passam” por ali. O nosso trabalho tem de se fazer acompanhar por uma visão de mundo, é assim que eu compreendo que os programas de transferência de renda são um acesso a direitos e não um fisiologismo político ou eleitoreiro. É preciso que haja um efetivo acompanhamento das famílias que se beneficiam com esse recurso. Os técnicos devemos responder satisfatoriamente às demandas, de modo que, quando um usuário ou família se depara com um indeferimento, ela entenda as razões da denegação. Isto também é dar uma satisfação. O usuário ainda precisa compreender a razão do relatório e da entrevista. Somos desafiados a adquirir um rol de competências. Existem as competências institucionais ou sistêmicas, mais voltadas ao aspecto organizacional; existem as competências individuais, estas preconizam o saber fazer profissional; existem as competências gerenciais, que como o próprio nome sugere, tem a ver com gerenciamento; e existem as competências coletivas, que se assentam sobre pilares como sinergia e articulação. À pergunta se um usuário ou família pode ou deve estar simultaneamente sendo atendido(a) no CRAS e no CREAS, há profissionais que respondem categoricamente que é obrigatório o duplo atendimento, enquanto outros, de maneira diversa, dizem que essa hipótese não pode se concretizar de jeito algum. A palestrante ponderou que não se deve responder aprioristicamente a esta pergunta, pois tudo vai depender do diagnóstico situacional e da realidade da família. O coordenador é o profissional que gerencia conflitos entre pessoas o tempo todo. A pessoa pode ser uma excelente técnica, mas destituída desta capacidade de gestão. O trabalho socioassistencial abrange o instrumental técnico-operativo a partir do aspecto multidisciplinar, as atribuições privativas, as ações em rede, que compreendem em si os instrumentais diretos e indiretos e, por fim, a rede socioassistencial. É preciso: 1) conhecer a natureza do objeto; 2) promover a adequação à natureza do objeto e 3) organizar os elementos do objeto. O processo de transformação calca-se no instrumental que é o conjunto de instrumentos e técnicas. A instrumentalidade é a propriedade, ou qualidade, ou capacidade das coisas atribuídas pelos homens (leia-se: seres humanos) no processo de trabalho convertidas em meios para satisfação de necessidade e alcance dos objetivos/finalidades. O agir profissional é guiado por uma causalidade atrelada a um teleologismo. Tudo o que se faz, é feito com intencionalidade. São necessárias condições objetivas e subjetivas para executar aquilo que eu quero. O trabalho engloba estas dimensões: teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo. Será salvaguardando estes aspectos laborais que se dará resposta às demandas. O fato de o profissional acolher e atender às requisições técnico-instrumentais não corresponde a chancelar a ordem burguesa e a sua manutenção. Os instrumentos de trabalho podem ser diretos, neste caso, oral, ou indiretos, os que usam a linguagem escrita. São exemplos de instrumentos de trabalho: entrevista, visita domiciliar, observação, abordagem, grupo, reunião, informação, documentação, encaminhamento, parecer social e laudo social. São exemplos de instrumentos de trabalho indiretos: parecer social, relatório social, ata de reunião e livro de registro, etc. A entrevista é um momento de escuta qualificada (que é diferente de escuta especializada). A entrevista visa promover a realidade do usuário e volta-se a encaminhamentos e orientações. A entrevista pode ser estruturada, não estruturada e semiestruturada. A entrevista semiestruturada inclui aspectos não previstos. O Prontuário SUAS não é obrigatório, mas altamente recomendável. Duas bases de dados interessantes para amparar o trabalho socioassistencial são o CECAD e Aplicações Cidadania. Nestas duas plataformas existe livre consulta (independente de cadastro ou senha), onde se pode selecionar a UF e o município. Tem-se que: 1) a visita domiciliar é um instrumento; 2) nesse ambiente é possível prestar um atendimento e 3) o que se faz ali é um serviço. A visita domiciliar encerra em si mesma: aproximação entre profissionais e usuários, promoção de equidade (algumas pessoas não têm condições de acessar o serviço) e melhora na compreensão do contexto de vida. Planejando a visita domiciliar, devo fixar: objetivo, aspectos a serem observados, horário para realização da visita, programar o tempo para a realização da visita, materiais necessários, organizar informações necessárias para tal. O PAF é o Plano de Acompanhamento da Família. O SICON é o Sistema de Condicionalidades. PDU é O Plano de Desenvolvimento do Usuário. A acolhida precisa ser mediada por técnico qualificado. Nós não devemos ser técnicos executores de um programa, nós devemos ser técnicos de referência. A família precisa se sentir respeitada dentro do equipamento. É no acompanhamento que se estabelece o vínculo entre usuário e técnico, a partir do que são determinados os encaminhamentos necessários. O atendimento tem de ser uma porta de acesso a direitos. Trata-se de uma atuação profissional que envolve um conjunto de ações direcionadas a indivíduos e famílias. As situações de risco são presumidas. É preciso reconhecer as potencialidades das famílias e não só as fragilidades e vulnerabilidades. A acolhida não é privativa ao serviço social. Tem a acolhida da rede ou do serviço, e do técnico de referência. São duas coisas diferentes. A existência de grupos se presta a: trabalho em grupo, dinâmica de grupo e reunião. A união do coletivo não pode ser aleatória. É preciso que haja intencionalidade. O norte deverá ser um eixo temático em torno de uma demanda compartilhada. A oficina é um lugar onde se exerce um ofício. Já o grupo é um conjunto de pessoas que forma um todo, conjunto de seres ou coisas previamente estabelecidos para fins específicos. Só para diferenciar “oficina” de “grupo”. Eu posso usar uma oficina, por exemplo, para promover a fidelização dos indivíduos integrantes ao grupo a que eles pertencem. As técnicas devem ser muito bem escolhidas. Certa vez aconteceu de se aplicar uma técnica de deitar-se em posição fetal, ao que uma usuária não conseguia sair do estado hipnótico e a profissional que conduzia o encontro entrou em desespero. Isto significa que o instrumental vai além de si mesmo. O Estudo Social tem a família como elemento central. Ele deve elencar os elementos diretos e fazer uma análise técnica dos mesmos. Muito mais do que retratar impressões. A competência do profissional deve trazer à tona a história e a realidade social que produz o usuário, o sujeito social. Para construir um documento devo alinhar os meios aos fins. O tempo de atendimento deverá ser cronometrado para evitar prolixidade. E a objetividade deve se fazer presente também na redação do respectivo documento. Aqui cabe ressaltar a importância da Técnica de Redação. Do Estudo Social pode derivar: Laudo, Relatório e Pareceres. A confecção destes materiais deverá atender aos critérios de pertinência, relevância e benefício ao usuário. O relatório é diferente do laudo pericial. Este último é mais voltado à defesa de uma pessoa e à responsabilização do violador do direito. Eu posso ter relatórios informativos, com enfoque em dados e fatos importantes, relatórios circunstanciados, que sinalizam para situações de emergência, relatórios de acompanhamento, despiciendo maiores explicações, relatórios de visita domiciliar, valoriza aspectos analíticos do domicílio (e não apenas as características físicas do domicílio), relatórios de inspeção, consigna os elementos expostos no decorrer da visita. Nunca é demais gizar que o relatório e o parecer social se sujeitam ao Código de Ética Profissional. O Parecer Social não é de competência da rede de proteção. Tem de ser elaborado pelo perito cadastrado junto ao cartório forâneo. Eu preciso ter o controle inclusive quantitativo das minhas práticas laborais. Eu preciso ter um fluxo, de atendimentos, de reuniões, audiências, etc. Para isso, é fundamental definir nominalmente a pessoa que fará esta planilha, incumbindo-se de sua alimentação, e a periodicidade em que essa atualização ocorrerá. O Laudo oferece informações para uma tomada de decisão, para a formulação de um juízo. O Laudo deverá ser aberto por uma introdução, em que identifico a demanda judicial, seguida pela metodologia, em que especifico se farei entrevista, estudo documental, etc., sucedido por um relato analítico, que contemplará construção histórica, aspectos socioeconômicos e culturais, e, por fim, será findado pela conclusão ou parecer social, em que ter-se-á a finalização e a interpretação. O Parecer Técnico pode derivar do Estudo Social, do Relatório Social e do Laudo Social. Um dos participantes da capacitação relatou usar o Prontuário SUAS para elaborar o Parecer Técnico. Ele pode servir como uma espécie de check list. O Relatório Informativo pode conter a assinatura conjunta de vários profissionais. E pode ser assinado, também, somente pelo coordenador. Eu posso ter como ponto de partida o mapa falado, por exemplo, o mapa do território, que expõe os locais de risco, como pontos de venda de drogas. É bem-vindo identificar as fortalezas e vulnerabilidades do território. A pensadora Dirce Harue Ueno Koga (…-2021) é uma excelente fonte teórica a casar geografia e serviço social, a partir do olhar da categoria “território”. No prontuário deve se fazer constar o NIS, isto é, o número de identificação social, pois quem tem perfil de Cadúnico deve estar nele. Ainda deve constar CPF, data de nascimento e unidade de atendimento. As metas e os objetivos não devem ser muito abrangentes. É preciso se perguntar: o que levou a família ao equipamento? É uma questão de realizabilidade. Por exemplo: falta de renda. Então, quem sabe, a solução passa por ofertar um curso profissionalizante. A questão da observância de um dado prazo: deve-se fazer a averiguação, o resultado aconteceu ou não? É de bom alvitre uma dinâmica com a família. Ela não precisa ser muito complexa. Trata-se, por vezes, de usar um mural, uma cartolina, ou simplesmente uma folha sulfite. O PIA – Plano Individual de Atendimento das MSE – Medidas Socioeducativas deve ser cumprível, gradual, real e inacabado. Base legal: SINASE- Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo: art. 52 usque 59. De acordo com o art. 56, o PIA deverá ser feito em 15 dias. Aqui entram obstáculos ligados a, por exemplo, transporte urbano. Como o adolescente chegará ao CREAS? Trata-se de, a uma, num primeiro momento, chegar ao CREAS, e, na sequência, a duas, chegar ao lugar onde a medida será cumprida. A equipe de MSE é responsável por construir, com o adolescente, o “mural dos sonhos” ou projeto de vida, de acordo com a área de interesses dele. A entrevista é chata para o adolescente, sobretudo na dialética pergunta/resposta. Por isso tem de ser gradual. Às vezes, o adolescente sequer consegue vislumbrar algo para a própria vida. E o prazo de 15 dias se choca com essa realidade. Aqui cabe o pedido de dilação de prazo. O atendimento tem de ser participativo e personalizado. Pode-se contar com algumas dimensões de análise: individual, familiar, pares (amigos e pessoas do convívio), comunitária, escolar (relação com o espaço escolar e não a escolaridade) e sociocultural. O adolescente deve estabelecer metas de curto, médio e longo prazo. Por exemplo, a curto prazo, terminar o ensino fundamental, a médio prazo, terminar o ensino médio e, a longo prazo, ser chefe de cozinha. O teórico Mário Volpi, ex “menor” da FEBEM, é um caso ilustrativo daquilo que deu certo. Ele refere a intervenção correta dos educadores sociais. Ele, adolescente, foi cumprir uma PSC – Prestação de Serviço à Comunidade numa creche e viu a importância dos trabalhos dos profissionais que ali estavam. O PDU – Plano de Desenvolvimento do Usuário se articula em acolhida, ação personalizada e finalização. O tempo mínimo sugerido é de uma hora. Na acolhida o técnico vai mostrar sua função protetiva, ele tem de ser uma referência de cuidado. Em síntese, a capacitação visou demonstrar o entranhamento entre instrumentalidade técnica e os alvos das políticas públicas socioassistenciais, o que ficou cabalmente retratado, e os servidores participantes passamos a um grau superior de compreensão dos nossos objetos de trabalho e de nossas atribuições. Esta capacitação, indubitavelmente, foi de muita luz!

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