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A Situação da Classe Trabalhadora no Brasil

Crítica socialista: coisa do passado?

Por Cleverson Israel 17 min de leitura

Sentença publicada em 23 de junho de 2025, prolatada pelo Juiz da 2ª Vara da Justiça do Trabalho de Lucas do Rio Verde, Município mato-grossense que se situa a 360 quilômetros de Cuiabá, dá ganho de causa a uma trabalhadora que sofreu negligência severa de saúde no ambiente laboral. A mulher de 32 anos, negra e venezuelana, estava no oitavo mês de gestação, e trabalhava em um frigorífico para a multinacional de alimentos BRF. Em abril de 2024, aconteceu isto: ela começou a passar mal, apresentando sintomas como ter dor de cabeça e vômito. Ela solicitou ser dispensada ou atendimento médico, mas a pessoa responsável denegou o pedido. Não tendo anuência para se retirar do local de trabalho, por conta própria abandonou o expediente e foi até o ponto de ônibus, para se deslocar até a unidade de saúde mais próxima. Ainda no ponto de ônibus, a bolsa amniótica se rompeu, e ela perdeu as duas filhas gêmeas. Uma, neste instante, e, outra, já no hospital. Quem leu a obra da autoria de Friedrich Engels, A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, viu, ali, que o escritor reporta casos em que as mulheres dão filhos à luz entre as máquinas, sem nenhum cuidado. A primeira publicação ocorreu em 1845. A história, como observou Georg Hegel, e ironizou Karl Marx, repete-se de tempos em tempos. Eu nem vou adentrar à questão dos embargos norte-americanos à Venezuela, o fato é que, para quem tanto deplorou o socialismo venezuelano, vê-se forçado a admitir que, ao menos no caso desta trabalhadora, o capitalismo brasileiro não foi nem um milímetro mais humano do que o regime do falecido Chávez e de Maduro. A Constituição Federal, apelidada ironicamente pelos liberais de “Dicionário de Sonhos”, protege a maternidade, o direito da mulher e a primeira infância. O que é melhor, sonhar com direito à maternidade, ou passar pelo pesadelo real de perder a prole, sem nenhuma assistência, do Estado ou da sociedade, no local de trabalho? Mais que exames pré-natais, procedimentos estes que, por mais basilares que sejam, também são, em muitas das vezes, negligenciados, é necessário que se construa o PIA – Plano Individual de Atendimento, para a gestante e para o nascituro. Isso significa que os exames pré-natais farão parte desse documento mais amplo, que é uma construção conjunta entre gestante, família e equipe médica. Diferente disso, chega a hora do parto, e não se sabe se o parto será normal ou por cesariana. Ou, como no presente caso, sequer existe uma previsão do momento do parto. Mais uma observação: à medida que o PIA vai sendo construído, se a mulher desenvolver trabalho fora do ambiente doméstico, como celetista ou servidora pública, o ente empregador deve ser informado dessas atualizações. Do contrário, em ajuizando ações contra a pessoa jurídica empregadora, esta pode tentar se esquivar de suas obrigações, alegando, como escusa, desconhecimento dos fatos. Assim sendo, uma vez ciente, injustificável a alegação de não sabença. Paradoxalmente, quanto maior a vulnerabilidade, mais intensa é a afronta aos direitos indisponíveis da pessoa humana. Foi a isto que assistimos. Cumulando as condições de mulher, negra, pobre, estrangeira e falante não nativa, esta trabalhadora sofreu uma barbárie, em tese, incompatível com o senso de civilidade. E, por isso mesmo, o Estado precisa e deve ser o garante dos mínimos existenciais, promovendo, na medida do possível, relações mais equilibradas e paritárias. À CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes incumbe estar atenta e vigilante não só ao ambiente, e aos riscos potenciais que ele pode oferecer aos colaboradores, senão ainda às condições de saúde dos próprios trabalhadores, como estado físico e mental de saúde. Todas as mulheres são credoras da atenção do Departamento de Rh, mas, as que se acham em estado gravídico, merecem olhar especial. Pergunto-me se não havia outras mulheres na organização dessa empresa, com poderes de gestão. É pouco provável que só houvesse homens neste espaço. Digo isto porque, além de a situação ter configurado uma série de infelizes tipicidades, não resta dúvida de que, outrossim, foi um caso paradigmático de falta de sororidade. Condições dignas de gravidez e parto são bandeiras muito mais defensáveis do que o aborto, por exemplo. O CMPM – Conselho Municipal de Políticas para Mulheres, de Lucas do Rio Verde, já conta com matéria fática, grave e relevante o suficiente, para contemplar como ingrediente na formulação de políticas públicas para mulheres, a circunstância da gestante ligada ao mercado de trabalho, em que pese as modificações por que passa o seu organismo e a sua personalidade. O maior patrimônio de uma empresa são seus recursos humanos! Esta tomada de consciência, isso sim é luz!