Mídias Digitais e Saúde Mental de Crianças e Adolescentes
Fazendo do jeito certo!
Por Cleverson Israel 19 min de leitura
Faz algum tempo, houve grande repercussão no Brasil sobre o assunto de exposição de crianças no ambiente virtual. A preocupação girava em torno de adultização e erotização de crianças. Publiquei um artigo a respeito. Agora atravessou o meu caminho uma oportunidade de fazer um curso na área. Gosto do estilo acadêmico por conduzir todos os assuntos da maneira mais técnica possível. A grande verdade é que precisamos proteger a criança na rede e não da rede. Não há mais possibilidade de passar ao largo do uso dessa tecnologia. Trabalhamos com o binômio proteção versus empoderamento. O que está pesando mais na balança? Assim como há conteúdos impróprios e nocivos, há mananciais de conhecimento e cultura. A internet se tornou uma ferramenta potente, poderosíssima, de produzir cidadania. A internet é o espelho da sociedade. É, também, a metodologia mais estratégica de integração social. É ela que leva vida lá onde está o produtor rural, ou na periferia, onde o jovem favelado vislumbra a concretizável hipótese de mudar de vida. A internet gera engajamento. Ela produz aquilo de que o adolescente e o jovem mais precisam: identidade e senso de pertencimento. Um sujeito se torna alguém por fazer parte de uma (ou mais) comunidade virtual. É claro que a internet esconde armadilhas. Basta pensar no design manipulativo, ou no uso de algoritmo para fazer a atenção do internauta monetizar para as plataformas. É o uso do sistema ativador reticular ascendente. Certas regras de ética, que aplicamos ao mundo físico, precisam tornar-se extensíveis ao ambiente virtual. A orientação do mundo físico é “não fale com estranhos!”. Então, por que você puxa assunto com estranhos na rede? Se não se joga lixo nas calçadas, por que você joga lixo na internet (fake news)? Se você não pode praticar furto no mundo físico, com que direito se apropria de informações de outra pessoa sem seu consentimento? Se não pode fazer bullying, paralela e simetricamente, não se pode fazer cyberbullying. Quando entramos em muitos sítios temos que “aceitar tudo” para poder ali navegar. Mas, aceitar o quê? A Lei Geral de Proteção de Dados oferece a diretriz de acordo com a qual as empresas devem solicitar dados do usuário/consumidor apenas na medida do necessário. É o princípio da minimização de dados. De fato, não há motivo para ficarmos expondo nossos dados pessoais, a fortiori, em se tratando de dados sensíveis. Sempre que entramos na internet, nela nós deixamos um rastro. É como ir comprar remédio na farmácia: se você informa o CPF, tem desconto. Qual, entretanto, o preço desse desconto? É este: repassar dados sobre sua saúde para os grandes laboratórios de produção de medicamentos. Outro fenômeno da internet é a capciosa mistura entre entretenimento e propaganda comercial. Um conteúdo se apresenta como enlevo para as crianças, mas, nas entrelinhas, figuram produtos ou serviços pagos, insinuados para o tenro telespectador. Assim como a televisão, a depender da natureza dos conteúdos acessados ou assistidos, a internet pode ser grandemente apassivadora. Prosseguindo, a rede pode se prestar à mediação de aliciadores e abusadores de crianças e adolescentes. Ela pode ser o meio pelo qual a criança é desafiada a fazer tal ou tal coisa. Colocando a criança em risco até de morte. Outro problema é a pornografia. Assim como criar um perfil numa rede social, também o acesso a sítios desse conteúdo requer a idade legal, aferível tão somente pela autodeclaração. A internet potencializa e recruta pessoas para movimentos fanáticos e terroristas, religiosos e políticos. Outro desserviço da rede é o extremismo político. As redes colocam e tiram presidente na maioria dos países de todo o mundo. A polarização gera discursos de ódio e violência. Há diferença entre as metodologias políticas: engajamento e militância são uma coisa, delírio e manipulação é bem diferente. A internet, hoje, é o meio pelo qual as pessoas obtêm o maior volume de informações e notícias. Ela se tornou uma ferramenta de estudo imprescindível, e não só para quem faz um curso ead. A internet tornou-se uma máquina de guerra. Dado que as guerras não são mais apenas físicas, mas híbridas. O viés social abarca a rede: nem todos têm a mesma oportunidade de acesso à internet, e, quando acessam, não no fazem com a mesma qualidade. A maior parte das pessoas tem acesso precário à rede, através somente por celular. E se verifica que pessoas em áreas urbanas e de classes sociais mais abastadas têm mais acesso, e de melhor qualidade, à internet. As pessoas periféricas, por exemplo, que acessam a internet, denotam desconhecimento de plataformas onde seriam encontráveis os dados e informações de que precisam. Isto mostra que internet e seu uso não se restringem à expertise de operacionalizar os petrechos tecnológicos tecnicamente, mas, para além dos aspectos propriamente procedurísticos, é necessário ter visão de mundo e repertório, para ver o mundo traduzido em conceitos e ciência, nessa rede que nasceu justamente com esse propósito, ser uma armazenadora e difusora de conhecimentos científicos. Fica o velho conselho dos romanos: “Uti non abuti”!
