O Instituto Gallup realizou uma pesquisa junto ao clero católico norte-americano, perquirindo sobre visão de mundo, valores e jeito de ser igreja. Tomando-se como referência os anos de 1975 e 2010, fica claro que os padres “antigos” eram progressistas, ao passo que os novos se mostram neoconservadores. Aqueles que foram ordenados sacerdotes antes de 1975, em sua maioria, valoriza o pastoral sobre o tradicional, acredita na pauta ambientalista, na medida em que ela prestigia a Criação de Deus, entende que a igreja deve priorizar os pobres, concebe o ecumenismo e a sinodalidade como diretrizes de um autêntico caminhar eclesiástico. Já os presbíteros ordenados após 2010, em grande medida defendem o rito tridentino (celebração da missa em latim), o uso de batina, o culto à eucaristia, ministração da comunhão de joelhos e na boca, e, no geral, desprezam aquelas pautas tão caras aos seus colegas veteranos. A sinodalidade é um termo próximo a universalidade. Do grego, “sin”, ao mesmo tempo, e “odos” caminho. Significa que a igreja católica, no mundo inteiro, deve marchar o mesmo passo doutrinário, catequético e dogmático. O modelo de igreja proposto pelos veteranos, uma igreja extrovertida, voltada para o povo de Deus, perde seu lugar para uma igreja voltada sobre si mesma. Esse acontecimento histórico deve interessar a todos, e não só ao rebanho de fiéis católicos. Os padres não são apenas funcionários da igreja católica, eles são comunicadores, formadores de opinião. A igreja se desconecta com a própria realidade. Ela não acompanha a marcha do mundo. Ora, qualquer intervenção num território deve considerar suas características, e isso se estende à evangelização. Como reportar-se aos ouvintes abstraindo das mentalidades que perpassam seu estar no mundo? No plano ideológico não somos todos concorrentes? O conservadorismo não considera devidamente as agruras do povo, que padece a dor de subsistir no mundo, justo ele que é tão vincado pelo viés de classe social e diferença econômica. Um bom pastor deve saber quais são os pontos de ancoragem de seus paroquianos, aquilo que faz com que eles continuem lutando por si mesmos e pela sua família, e quais são os pontos dolentes, aquilo que causa angústia e sofrimento. O evangelho é a verdade de Deus, acima de tudo, mas precisa ser também consolo para a alma e para o corpo. Acrescente-se ao perfil neoconservador dos novos sacerdotes católicos, o vertiginoso crescimento dos evangélicos, tão à direita em matéria de política. O Brasil, hoje, vive isso: catolicismo e protestantismo conservadores. Digo “majoritariamente” conservadores, pois essa regra encontra exceções em ambos os lados. Isso significa que, se alguém quiser unir espiritualidade e esquerdismo, terá pouco espaço dentro do cristianismo, seja qual for seu cariz. Por conseguinte, é provável que a nova religião, ainda não fundada, procurará cobrir esse vazio. A propósito: não defendo a criação de novas religiões. Já as temos em demasia. Para além dessas observações mais pontuais, precisamos situar essa onda ideológica dentro do curso da história. É, com toda certeza, um fenômeno social. O dinamismo e a complexidade do nosso tempo geram uma sensação de falta de referência. Para escapar desse estado desconfortável, busca-se refúgio nas coisas simples e estáticas das épocas passadas. Institucionalmente, percebe-se que a igreja se esforça para sair desses extremos, focar no social e negligenciar a espiritualidade, ou, colocar a espiritualidade no centro e viver uma pastoral desenraizada do contexto de vida dos fiéis. Contudo, na prática, é difícil fazer prevalecer o equilíbrio. Clérigos e fiéis sentem dificuldade em celebrar o ecumenismo sem ver a própria identidade ameaçada. Com tantas mudanças nas últimas décadas, fora e dentro da igreja, cria-se uma dúvida a respeito do que venha a ser a identidade católica. Afinal, o que ou quem é um católico? É difícil vocalizar uma pregação que atenda todos os segmentos sociais de maneira satisfatória. O evangelismo cresce sobretudo entre as classes menos abastadas. Os evangélicos são os que menos frequentam a universidade quando comparados a adeptos de outras denominações. Aqueles que puderam frequentar o ambiente acadêmico, via de regra, não se sentem confortáveis com discursos anacrônicos, eis que se mostram incompatíveis com a cultura científica, inculcada no aluno desde o primeiro ano de faculdade. Há quem argumente: “demos ao povo o que ele quer”. Jesus fez isso por ao menos duas vezes, alimentou a multidão com pães. Mas o evangelho é um desafio à mudança. O Reino de Deus é esforço, não comodidade. Deve prevalecer o certo sobre o conveniente. O fardo é leve e o jugo é suave, mas o cristão de verdade deve mudar a si mesmo, em primeiro lugar, e ao mundo. Sim, o mundo não pode ser o mesmo após o advento da cristogênese. Cristãos de todos os matizes estamos aqui para sermos luz!
