Em 10 de setembro de 2025, o panfletário ideólogo conservador norte-americano, de 31 anos de idade, Charlie Kirk, foi assassinado a tiro em Utah. Desde muito jovem foi um militante da causa da extrema-direita, indo além do conservadorismo, apregoando retrocessos culturais, civilizacionais e jurídicos. Ele patrocinava uma espécie de cristianismo nacionalista, crendo que o cristianismo de seu país era de melhor qualidade em relação a outros, praticados em outros territórios. Para ele, o Estado norte-americano teria sido edificado sobre valores religiosos (o que, em parte, alguns historiadores endossam). A mensagem era simplista, calcada na polarização: nós, do bem, e eles, os progressistas socialistas, do mal. O grande alvo de sua militância era a juventude, queria fazer de cada jovem um soldado de sua narrativa. A propósito, todos os fanáticos, de todas as linhas, procuram se concentrar na juventude, pois ela é mais propensa a aderir a discursos de jaez totalitário. A organização fundada por Charlie buscava recrutar o maior número de odiadores. Ele semeava hostilidade constante entre seus quejandos e as pessoas com as quais não se identificava. O instrumento de transformação do mundo, para ele, era a violência. Em Charlie, tudo é slogan, ele não absorve e não processa nenhuma complexidade, ele é destituído de pensamento crítico. Atiçando multidões, ele se tornou vítima do confronto que ele mesmo engendrou. Ele foi o grande mentor de ambas as campanhas eleitorais que conduziram Donald Trump a Washington. Kirk instilou animosidade nas mentes e corações de muitos compatriotas, mas também propugnou em favor dos instrumentos materiais pelos quais a violência se concretiza, as armas de fogo. Kirk não teria sido alvejado, se não houvesse à disposição do franco-atirador um aparato suficiente para tal. Sinceramente, do ponto de vista estritamente racional, não compreendo como este jovem podia fiar-se tanto na ala diretista, fazendo dela não apenas um meio de subsistência, mas uma verdade e uma filosofia de vida. Vendo sucumbir este ativista aos 31 anos, posso dizer que, praticamente, eu já acumulo mais anos de áridas leituras acadêmicas, do que a duração de toda a existência desta fugaz figura icônica. E, com a devida vênia, ainda estou em busca. Tudo o que sei, aos meus próprios olhos, é provisório. No que tange às convicções de Charlie, ele era o homem das certezas absolutas! Com base em quê? Kant dizia: “Age de tal forma que a tua conduta possa servir de parâmetro universal”. O que matou Kirk foi a universalização da sua doutrina, a coincidência entre a teoria e a prática. Cristo foi claro: “É pelo fruto que se conhece a árvore”. O fruto da articulação de Kirk foi a violência e a morte. Em Kirk fica adimplida a lei do retorno. Política não se faz à custa de bala, política se faz com sobriedade e racionalismo. O âmbito da democracia é o parlatório em que, por meio do diálogo, por meio da abertura à comunicação, e oitiva atenta das razões do outro, se constrói o consenso e se estabelecem os parâmetros da ética discursiva. A única coisa para que serve o recesso democrático é fazer ver que não podemos prescindir da democracia. A intolerância e o enfrentamento devem ser substituídos pela boa convivência. Onde há medo e desespero precisamos olhar no olho do outro, e perceber que somos vítimas de nossos preconceitos, não das supostas más intenções de quem, na real, sequer conhecemos. Os direitistas podem ter certeza: não estou feliz com a morte de Kirk, afinal, “o amor não se alegra com o mal”. Entretanto, este jovem senhor, pela inexperiência, imaturidade e falta de conhecimento, deu-nos uma lição, a de que muita vontade e pouca reflexão, necessariamente, conduzem ao mesmo ponto de partida, isto é, sai do nada e chega a parte alguma. A pregação moralistoide, que confunde o palanque e o púlpito, não compreendeu que a funcionalidade de uma sociedade organizada se faz pela técnica e pela ciência, e não pelo discurso raso e barato. Há vinte anos a economia da Europa correspondia a um quarto do PIB global. Agora, não transcende os 15%. Estados Unidos da América e China são as duas grandes potências de larga competitividade econômica e tecnológica. Entrementes, em que pese, em termos econômicos, a América do Norte ter um lugar ao sol – muito embora não mais tranquilo como no passado – ela já não mais ostenta a baliza que separa a barbárie da civilidade. A dignidade e liberdade humanas não cabem dentro da retórica conservadora e retrógrada, ela é muito pequena. A extrema direita ianque afronta as prerrogativas que diz defender. Ela age exatamente do modo que afirma deplorar em outros. A questão mais importante do momento é esta: a dos meios. Não é legítimo matar a democracia em nome da economia, não é legítimo dar um tiro no outro em nome do próprio modo de pensar. Quando estivermos cientes disso, e interiorizarmos estes axiomas, os problemas econômicos, políticos e sociais estarão resolvidos.