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Dia Mundial da Alfabetização: 8 de setembro

A importância do que vem depois do bê-a-bá!

Por Cleverson Israel 18 min de leitura

A alfabetização em massa é um fenômeno moderno, e espelha a necessidade imposta pela Revolução Industrial, de poder contar com mão de obra minimamente qualificada. Ela toma força no contexto da urbanização. A alfabetização é o caminho de acesso ao conhecimento humano criado, desenvolvido e consolidado ao longo do tempo, na medida em que o cabedal do saber se materializa em códigos e signos. Quando a pessoa já alfabetizada, ou em processo de alfabetização, começa a traçar uma ponte entre o lido e o vivido, está começando a existir o letramento. O letramento, entretanto, pode estar em alguém analfabeto. O letramento é a capacidade de captar o sentido e o propósito das coisas que estão no mundo e o constituem. Hipoteticamente, dado analfabeto pode vir a ser mais letrado que certa pessoa alfabetizada. O bordão: “o que interessa é a prática, e não a teoria”, é a fórmula que melhor traduz o espírito do iletrado. Para ele, existem duas ilhas, a ilha dos conteúdos escolares, e a ilha do experimentado e vivido. Mas letramento autêntico e genuíno é aquele em que o repertório de leitura projeta luz e interpreta nossa imersão no mundo, ao passo que, na mão contrária, nosso ser e estar nessa totalidade de vivências ressignifica nossas leituras. Enquanto este ciclo não for fechado, a alfabetização não terá logrado sua razão de ser. O analfabeto funcional é um conceito novo que designa um sujeito antigo, o iletrado. A maioria das pessoas decodifica foneticamente o texto escrito, como uma máquina executa a leitura de um programa de voz, sem compreender o que está sendo dito. Não foi adquirida a competência de interpretação de texto. E muito menos a hermenêutica, a leitura mais profunda de um texto/contexto. O leitor hábil é aquele que descobre que o texto existe para que compreendamos o mundo e o transformemos. Leitor eficaz é aquele que se engaja na mudança. Alfabetização é desalienação. Alienação é a falta ou perda de consciência dos processos sociais de que o sujeito participa, ao passo que, pela leitura, resgatamos e nos apropriamos dos nossos próprios construtos, concretos ou abstratos. Passamos a descobrir nosso espaço na complexa engrenagem que é o coletivo. As idas e vindas, de políticos empoderados com mandatos nos cargos estatais estratégicos, espelha a falta de noção do que vem a ser os matizes ideológicos das várias siglas partidárias. Letrar-se é perder a virgindade do intelecto. A maior invenção da humanidade foi a escrita, e ficar privado desta tecnologia, é perder a chance de dominar a mediação pela qual tomamos posse de tudo aquilo que concorre para o êxito de nossa vida. Alfabetizar e letrar as pessoas é um projeto político, mas mantê-las na ignorância e no iletramento também o é. Contudo, essa própria demarcação só passa a ser percebida pelo letramento. A alfabetização é o passe para o vislumbre de leituras de grandes pensadores dos tempos passados. Nunca antes como agora, as pessoas trocam de religião, por exemplo, como quem muda de roupa. Entretanto, o que está por trás das doutrinas e das instituições religiosas? Em que contexto surgiu a Reforma Protestante? Em que contexto surge capitalismo e socialismo? Esses processos históricos precisam ser conhecidos (pela leitura) a fim de que resgatemos a memória de longo prazo, o que vem a ser a base sólida para as nossas escolhas atuais. Pela alfabetização nos tornamos sujeitos de direitos (do contrário, sequer é possível discutir um contrato paritário, desde que as cláusulas necessitam ser escritas), cidadãos, profissionais. As profissões mais intensamente qualificadas requerem formação acadêmica, acessível pelo instrumento da linguagem escrita. Seria erro crasso investir em políticas sociais, negligenciando a educação. Sem alfabetização não há protagonismo. A escrita é uma comunicação solene. O ser humano é dialógico. Nada é tão social quanto a escrita. Por ela construímos o consenso entre as gerações presentes, conhecemos as gerações passadas, e legamos o que somos e pensamos às gerações vindouras. A alfabetização é uma ferramenta poderosa de justiça social, pois ela é o pressuposto de todo e qualquer processo de inclusão. Pela capacidade de leitura a pessoa integra-se a uma comunidade, efetiva o pertencimento a um lugar, a um grupo. A alfabetização é a antecâmara de um processo de despertamento, cujo ápice ou desfecho final seria a iluminação. Se, consoante ensina Platão, o mundo é a caverna, e as amarras são a ignorância, a alfabetização é o caminho que arrancará os homens das sombras, conduzindo-os ao fim do trajeto à contemplação da luz do Sol, o símbolo máximo de toda a sabedoria. É uma pena que a maioria fica pelo caminho. Aprendizagem tem de ser perene. A alfabetização é o primórdio, porém, o mais relevante é o que vem depois dela. Alfabetização é luz!