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Trump Burger

Quem entender, explique-me!

Por Cleverson Israel 17 min de leitura

Nos Estados Unidos da América há uma rede texana de comida rápida, dedicada ao presidente em exercício, no aludido país. Seu proprietário, curiosamente, é um libanês que responde a processo judicial capaz de redundar em expulsão, em virtude de permanência ilegal no torrão ianque. Isso me faz lembrar das execuções políticas na era soviética: nos últimos instantes, que precediam o tiro fatal, os condenados gritavam frases de fidelidade ao regime socialista e ao chefe da nação, Stalin. O que pretendiam os executados soviéticos? Mostrar que a execução era injusta? Mostrar que a motivação da execução não residia no dissenso político? Mudando para o segundo caso: Quis o referido estrangeiro libanês reverter o processo de expulsão? Quis exibir a ausência de compaixão dos norte-americanos? Quis evidenciar a desconsideração do perfilhamento a uma ideologia, que sequer é capaz de escudar seus asseclas? A política liberal não faz o menor esforço para esconder que se deleita em desprezar o âmbito do pensamental. Não há, como no esquerdismo, um zelo pela teoria ou pela ideologia. A contradição, nem de longe, lhe incomoda. Voltemos ao Brasil: Como vendedor ambulante, o sujeito é impedido de exercer seu ofício no Município de que é natural, porque o último prefeito ali eleito não tolera esse tipo de atividade, e, na esfera federal acha-se outra teratologia destra, de modo que perde o benefício de transferência de renda, e, no entanto, gaba-se e bate no peito, por não ter votado na sigla que poderia salvaguarda a subsistência própria e de sua família. O que fazer com esse cidadão? Qual argumentação possível, se argumentos e pensamentos concatenados são incapazes de o alcançar? No direito processual civil brasileiro existe o princípio de acordo com o qual a execução contra devedor solvente deve trilhar os procedimentos menos gravosos ao executado. Basta saldar a dívida. Não é necessário destruir a vida do endividado, nem estressá-lo com violência estatal. Mas assim como durante o Império Romano vigia o bordão “fiat justitia pereat mundus”, o modus operandi dos norte-americanos não encontra nenhuma percussão relacionada a autocuidado ou sensibilidade para com seus colaboradores regimentais. A maneira de Trump governar revela como ele foi eleito, por quem e para que interesses. A democracia norte-americana é uma democracia aparente. O sistema existe para os super ricos e não para o povo. O povo norte-americano come “das migalhas de pão que caem das mesas de seus senhores” (Mateus 15, 27). Na prática, países ricos são aqueles cuja elite é mais rica do que a sua homóloga nos rincões menos desenvolvidos. Os países capitalistas, em que os meios de produção têm melhor técnica, não contemplam a totalidade de seus cidadãos. Essa preocupação, de um mínimo social para todas as pessoas, é um objetivo socialista, alheio ao capitalismo. O que as potências capitalistas ocidentais não esperavam é que uma meta social, leia-se, uma meta que não preconiza a acumulação de riqueza, triunfasse até mesmo no plano do puramente econômico. A economia da desconsideração pelo hominal está sendo suplantada pela economia da consideração pela pessoa humana. Nas últimas décadas, a China colocou comida no prato de milhões de pessoas que, historicamente, passavam por situação de insegurança alimentar. Nos Estados Unidos pratica-se a “comida rápida” para retornar o mais breve possível às atividades laborais. Sim, trabalhar é importante. É uma dádiva divina, ainda que concedida num momento crítico e por uma razão de queda espiritual. No entanto, assim como trabalhar, e honrar o horário de expediente, é procedimento de alta recomendação, alimentar-se corretamente e sentir o gosto dos alimentos, é um direito inegociável. Os Estados Unidos da América foram um país edificado em cima da ideia de concorrência e competitividade. O aprimoramento, a diligência, o zelo, tudo isto tem o seu valor. Sem embargo, para além do sobressair-se, entrementes, calha também a lógica da cooperação. Essa ideia, a da cooperação, é tão poderosa, que vem a ser justamente ela a geratriz do ponto de inflexão da geopolítica atual. Washington ameaça, impõe, obriga, executa, guerreia, tarifa, barganha, constrange, cancela, interfere, infiltra, manipula, frustra, desarticula, forja, pretextualiza, camufla, censura, estereotipa, rotula, alicia, enfim, faz do verdadeiro o falso, e, do falso, o verdadeiro, sempre em nome da “América”, seja lá o que venha a ser esse nome feminino de tão complexa semântica. O libanês que imigrou para a América do Norte, assim o creio, deve ter aprendido que “o Reino de Deus não é comida e nem bebida” (Romanos 14, 17).