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Canadá no BRICS

Aliado imprevisto!

Por Cleverson Israel 18 min de leitura

O mundo vive um ponto de inflexão. Os Estados Unidos da América correm o risco de se tornar uma ilha isolada por tarifas. A ordem global, calcada na lucratividade, choca-se com a lógica chinesa, em que se busca a empregabilidade, mais do que o lucro. Boa parte do parque industrial chinês trabalha abaixo do custo. O único economista capaz de explicar essa estranheza é Karl Marx: existem diferentes margens de taxa de mais-valia, e no “compra e vende” a taxa de mais-valia é convertida em taxa de lucro. Se a taxa média global de lucro, da economia planejada de um país socialista, for viável, isto é, transcender o custo, está valendo. A paz social está acima da meta do mercado. O modo chinês de pensar é um dos grandes oponentes à ordem global ianque. Ele muda os padrões de relação econômica. Dessa situação paradoxal emerge esta outra: os aliados militares dos Estados Unidos são seus concorrentes econômicos. E a Rússia, oponente militar, tem uma economia relativamente pequena. Já a China é concorrente econômica e militar. Com tudo isso, agora o Canadá quer entrar no BRICS. Inspirados nos economistas russos, que, com a Guerra da Ucrânia, transferiram suas parcerias para o BRICS, os economistas canadenses estão colocando olhos gordos no BRICS. O referido bloco econômico congrega 10 países, 46% da população mundial e 35,6% do Produto Interno Bruto mundial. O Canadá, cuja moeda é o dólar canadense, quer romper com a dependência do dólar americano. 91% dos canadenses apoiam que o seu país diminua a dependência do país vizinho. 71% dos consumidores canadenses afirmaram que passarão a evitar produtos norte-americanos. O Canadá não quer mais ser um mero coadjuvante dos Estados Unidos, um partícipe de menor relevância do America First. O ingresso do Canadá no BRICS impacta não só o próprio Canadá, mas também o BRICS. O BRICS deixaria de ser um eixo representante do Sul Global para se efetivar como eixo Global. O Canadá passaria a ser uma conexão entre os hemisférios meridional e setentrional. Além disso, essa decisão poderia inspirar uma similar tomada de atitude por parte do México. Finalmente, os Estados Unidos ficariam isolados do mundo. Espero que, se isto de fato acontecer, os ianques não cometam o mesmo erro dos alemães, que um dia imaginaram ter aparato militar para vencer o mundo todo sozinhos. Essa história, aliás, não precisa ser contada, mais profundamente ou mais superficialmente, todos nós a conhecemos. Ao que tudo indica, Donald Trump entrará para a história como uma espécie de Mikhail Gorbachev do capitalismo, o homem que terminou de enterrar o sonho americano. Não digo que o capitalismo deixará de existir, ou que os Estados Unidos sumirão do mapa, mas será inventado um tipo novo de capitalismo global. E não haverá perestroica ou glasnost capaz de reverter o curso dos acontecimentos, pelo contrário, a posição diplomática empedernida servirá como catalisadora do que se pretende evitar. O discurso precipitado, dizendo que o Canadá bem poderia ser apenas o quinquagésimo primeiro estado norte-americano, sinalizando para uma anexação, com certeza forçou esse cenário. Sem desconsiderar a taxação contra o Canadá na ordem de 35%. Com a decisão canadense, o PIB norte-americano retrairá quase 4%. Analistas dizem que o Canadá correrá o risco de ficar tecnologicamente isolado, mas eu creio que China, Índia e Rússia têm técnicos e cientistas em quantidade suficiente, e com o preparo necessário, para autonomia no desenvolvimento de processos, sejam produtivos ou informacionais. O Brasil tomou lado certo: ao invés de continuar sojigado a quem tenta fazer reviver uma ordem decadente, padecendo os estertores, decidiu alinhar-se com um eixo geopolítico emergente, vertido para o progresso e a soberania das nações. Saímos do lugar pouco confortável, destinado ao arnês do ultrapassado, para integrarmos uma nova elite global. Aos poucos, a economia predatória norte-americana vai cedendo seu espaço para a economia da infraestrutura chinesa. A ideia da equipe econômica de Trump foi trazer, de volta, a indústria para dentro dos Estados Unidos, – haja vista que ela foi instalada em países de mais baixo custo produtivo – e, assim que o resultado desejado começasse a funcionar, gradativamente as tarifas teriam seu percentil abrandado. A aporia desta decisão metodológica é que as cadeias produtivas dos ianques estão tão arramadas por todo o globo terrestre, que, agora, não se vislumbra a reversão do que feito já está, dado o nível de dependência de matérias-primas e de mão de obra estrangeira. O país que concebeu e arquitetou o fenômeno econômico, financeiro, político, bélico, cultural, social, científico, técnico, tecnológico, religioso, linguístico, denominado “globalização”, desta vez, se vê como vítima dele, e não como protagonista ou pioneiro.