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Estruturalismo: por que não se fala nisso?

O valor do pensamento teórico!

Por Cleverson Israel 17 min de leitura

O estruturalismo já teve seu auge como teoria. De acordo com ele, o poder passa pelas pessoas, como a riqueza passa pelas mãos das pessoas, só no campo fenomênico aparentando ser propriedade delas. O estruturalismo arramou-se pela história, pela linguística, pela antropologia, pela sociologia, pela filosofia, pela economia, pela literatura, pela psicologia, por uma enormidade de disciplinas e por outras teorias, em cooptação a elas. Qualquer que seja o objeto em análise, ou a metodologia empregada para chegar a ela, o que se vê é a ocorrência de elementos ou fenômenos de modo padronizado. A inteligência artificial, basicamente, funciona identificando padrões. Essa tecnologia de ponta tem sido vinculada a uma disciplina bastante antiga, a teologia. Ela corrobora a ideia de que a Bíblia, por exemplo, foi escrita e reescrita uma série de vezes. No referido Texto Sagrado percebem-se vários vieses e pressupostos epistemológicos. Os conceitos fundamentais são distintos, e acabaram por embaralhar-se, do que resultou essa urdidura complexa e variegada. A inteligência artificial confirmou uma série de hipóteses, já suscitadas por exegetas e hermeneutas. O que a calculadora digital representou para a realização de cálculos, a inteligência artificial o fez em relação à identificação de padrões ínsitos em textos dos mais diversos gêneros. O comportamento dos indivíduos, e o novo normal de conduta social, parecem ver as respectivas explicações esgotadas, logo ali, nas intenções personalíssimas dos sujeitos. Estamos a viver numa época que não exige grandes explicações teóricas, muito menos a montagem de esquemas conceituais, fortemente imbricados entre si. A consequência prática da adoção dessa perspectiva é nítida: temos um olhar descritivo, mas pouco dissertativo e argumentativo. Perde-se, com isso, o poder heurístico. Desde a química, com sua tabela periódica, até a sociologia, com seus organogramas de linhas familiares, essas plataformas permitem, recorrentemente, presumir o elemento faltante. Sem teoria, sem descobertas. A teoria mais estruturalista dos dias atuais é a Teoria das Gerações (de Straus e Howe), pois muito se fala em baby boomers, em geração X, Y, Z, etc. A sugestão é vítrea: o comportamento do indivíduo espelhará o comportamento de todos aqueles nascidos dentro do aludido período de referência. No entanto, o termo “estruturalismo” não consta nos artigos onde a reportagem a esse modo de pensar e interpretar a realidade é advogado e defendido. O estruturalismo já casou, para além da sua valia em protagonismo solo, com a psicanálise, com o kantismo, com o marxismo, dentre outros. Essa recessão teórica e conceitual marca bem a característica destes dias: somos cada vez menos teóricos, e cada vez mais pragmáticos. Ninguém investe mais seu tempo em defender o estruturalismo. Para além disso, o entendimento de que toda a realidade segue padrões é um consenso, e hoje temos à nossa disposição os meios tecnológicos para interpretar esses conjuntos de informações, bem como fazer projeções e antecipar o futuro. Saímos do âmbito teórico e a nossa seara é a ação. Sem grandes questionamentos quanto à segurança gnosiológica de nossas convicções, a não ser o resultado esperado, a pura funcionalidade. É a mesma diferença entre o filósofo da matemática que se aprofunda nos axiomas da disciplina, e o contabilista que usa seus conhecimentos para prestar um serviço e com ele enriquecer a si mesmo. O que abarca toda a realidade, em última instância, é o imaterial. A probabilidade rege o empírico concreto. A vontade, a liberdade e a discricionariedade do ser humano, ainda que vivas e não negadas dentro do espectro proximal, representam não existir perante esses movimentos profundos e mais amplos que, alfim e ao cabo, prevalecem sobre tudo e sobre todos. Mais que enunciar a verdade, os homens do saber, do momento atual, voltam sua preocupação a resolução de problemas específicos. Isso tem um lado muito positivo, basta pensar numa medicação que contorna os danos de uma doença e lhe fulmina o fator desencadeante, todavia, lado outro, a abstenção teórica tem o efeito de livrar-se de eventuais críticas, quando elas deveriam ser muito bem-vindas. O passo a passo precisa ser teorizado para que a pesquisa se submeta à verificabilidade. Se não se pode percorrer a trajetória que redundou no chancelamento de uma tese, a rigor, não se pode falar em ciência. Em suma, saímos do extremo da especulação pura e recaímos na antípoda: sem escrita, sem construção de linguagem, o que se tem é técnica, mas não ciência. A ciência deve ter o mérito de transpor o obstáculo exterior que impacta nossa existência no mundo, sem prejuízo de realizar a mesma tarefa na esfera noética em que seus postulados são exibidos para auditoria pública.