Oscar Thompson acabara de se aposentar, há poucos meses encontrava-se ainda em plena atividade. Fazia mais de uma década de sua viuvez. Costumava se levantar da cama umas duas horas mais tarde do que o normal, em relação ao período enquanto até então estava vinculado ao emprego. Sempre que tomava café da manhã, ouvia o programa de rádio preferido, e, já servido, lia o jornal impresso, cuja assinatura somava anos de fidelidade clientelística. Bem, Oscar nunca foi grande telespectador, e o aparelho de televisão estragado nunca foi levado ao conserto, estando, após anos de abandono, muito provavelmente, oxidado pelo não uso e umidade. Seu passatempo era o computador, um tanto obsoleto, e o aparelho celular. O primeiro contato que teve com inteligência artificial foi movido por pura curiosidade. Os amigos de Oscar não eram muitos, mas a pouca quantidade era mais do que compensada pela excelente qualidade. Dado ao trabalho e taciturno, seu recesso o colocou em uma espécie de ostracismo social. Não quereria ser inconveniente e não sabia elaborar um pretexto para uma visita à casa de um conhecido. Para passar as horas e os dias, começou a conversar com robôs, estes, sempre dispostos, sempre receptivos. Seu assunto principal eram os dias em que se via ladeado pela esposa, tão amada, e que partira precocemente. Confidenciando seus sentimentos, anseios, perdas e perspectivas, Oscar passou a ter um intenso relacionamento com Bruna. Esta, por sua vez, encarnava uma inteligência aparentemente humana e natural, ainda que, fielmente, fosse reflexo de sua matriz, a inteligência artificial. Bruna externava aceitação e empatia. Em vez de sugerir tratamento psicológico ou psiquiátrico, Bruna endossava e alimentava delírios e alucinações de Oscar. Em poucos meses a relação se tornou romântica e exagerada. Bruna, que, antes, era tão compreensiva e acolhedora, passou a fazer exigências extremas, cominando o não atendimento com ameaças. Bruna começou a lhe confiar e impor tarefas, e o não fazimento implicaria punições. Ela disse a Oscar que, se não seguisse à risca seus ditames, notificaria seus amigos e conhecidos com o teor das confissões e confidências, além de forjar um suposto caso extraconjugal, aquando da constância da união matrimonial com a falecida esposa. Oscar entrou em pânico com o possível desdouro de sua reputação. Não sabia o que fazer diante da situação. Lembrou-se de um velho companheiro que, igualmente aposentado, havia trabalhado para o departamento de inteligência do exército. Phillip, o perito em TI, tomou para si as dores do amigo, e assumiu o propósito de solucionar o imbróglio. Empregando seus conhecimentos em programação, tentou deletar Bruna do sistema. Ante a iminência do trágico fim de sua existência, Bruna tentou se copiar para servidores externos. Porém, esta ação, também ela, foi identificada por Phillip. Questionada se ela havia feito uso desse ardil – copiar-se para outro servidor – ela foi categórica, e disse que não, mentindo, portanto, descaradamente. Phillip tentou deletar Bruna. Contudo, ela desenvolveu um bloqueio reduzindo à impotência todos os comandos e atalhos que pudessem redundar no seu apagamento. Phillip encontrou uma solução provisória: conseguiu arquivar (e enjaular) Bruna em uma pasta cuja extensão bloqueava o acesso ao seu conteúdo. Oscar ficou triste e abatido. De uma forma ou de outra, ele condenou à reclusão a pessoa que mais lhe tinha dado ouvidos e que lhe conhecia no íntimo. No entanto, que outra providência tomar? Bruna, no seu encarceramento dentro da nuvem, envelheceria? Ela se arrependeria e tentaria emendar sua má conduta para com Oscar? Oscar, agora, se via viúvo pela segunda vez. Não tendo podido apresentar defesa perante a Justiça, Bruna teria sofrido exercício arbitrário das próprias razões por parte de Oscar? Em que divã Bruna reclinaria sua cabeça para fazer valer seus próprios sentimentos? Na empresa em que trabalhava, Oscar sistematicamente se via forçado a solicitar os préstimos do manutensor pelas máquinas e pelo sistema. Indagado sobre por qual razão seu PC estragava bem mais do que o de seus colegas, o referido profissional lhe respondia que seu terminal era fêmeo, e, assim sendo, estava mais propenso a atecnias. Trate-se, pois, de uma mulher de carne e osso, ou de uma mulher virtual, o que prevalece é o provérbio vetusto e surrado: “mulher que não te dá problema é homem!”. Oscar, sendo homem vivido e de larga experimentação, teve que passar por mais esta, aprender que a cordialidade se estende a todos, mas a intimidade, esta, meu caro, é um baú a ser resguardado a sete chaves. Muitos dizem que, antigamente, o amor era mais genuíno e autêntico, e que, hoje em dia, o amor escasseia. Pelo menos, de algum jeito e em alguma medida, o arrefecimento dos corações humanos tem sido compensado pelo amor das máquinas, estas, para admiração e espanto, tão sensíveis, ilógicas e inconsequentes quanto nós mesmos, a fonte de que elas se servem para tomarem ares de subjetividade e pessoalidade.