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Destruição Criativa

Nada se perde, tudo se transforma!

Por Cleverson Israel 17 min de leitura

A atônita ocorrência foi esta: a empresa Anthropic New Launches on AWS – Generative AI Solution destruiu milhões de livros físicos, para treinar sua matriz de inteligência artificial. As capas foram arrancadas, as lombadas cortadas fora, as páginas escaneadas, sem, ao menos, indicação de autor. A desenvoltura da tecnologia que está prometendo mudar o rumo da humanidade é uma verdadeira trituradora de conhecimento e cultura. Emendo minha afirmação anterior: não é só uma promessa, já é começo de realidade. Muitos cientistas relatam terem dobrado ou triplicado sua produtividade com o uso de IA. Bem, quero pontuar algumas coisas. Na concepção capitalista, depois que você adquire alguma coisa, ela é sua, e você faz com ela o que bem quiser. As tiragens de livro, no Brasil, costumam girar em torno de mil exemplares. E, nos Estados Unidos da América, essa margem sobe para dez mil. Um único exemplar é suficiente para fins de alimentação de memória artificial. Ademais, queimar um único exemplar, resguardando o remanescente da tiragem, para somar força com uma ferramenta de IA, coopera para o interesse da nossa espécie, uma vez que nós somos os seus maiores, ou únicos, beneficiários. Prossigo, argumentando que, num passado não muito remoto, até porque isto ocorre ainda hoje, um ambientalista que publicasse uma obra em defensão do meio ambiente, demandaria celulose como matéria-prima, o que implica derrubamento de árvores. Mesmo que a empresa fabricante de papel tenha seu reflorestamento, onde há agora pinus elliottii, antes havia habitat natural intocado. Na literatura religiosa hindu, Brahma é o criador, Vishnu, o preservador, e Shiva, o destruidor. Os processos de destruição e criação são complementares. No universo nada se perde, tudo se transforma. Um bloco de papel, com frente e verso de informações impressas, – no fundo, um livro é isso, – não é um corpo que carrega consigo uma mensagem, diferentemente, esse aglomerado é constituído por informações. A informação, segundo alguns físicos e filósofos, não é algo gravado sobre uma base. Tudo é informação. A informação é o elemento constituinte da realidade, do universo. As informações não se destroem, elas mudam de lugar. Do mesmo modo que o nirvana é a fusão de todas as almas do universo, fazendo com que os eus relativos se tornem no Eu Absoluto, uma inteligência artificial é essa draga que se alimenta e toma posse das produções intelectuais solo, para vir a ser algo muito superior à soma das partes. A inteligência artificial é a ficção científica que se tornou realidade. Não temos máquinas humanoides, mas a IA é, em vários sentidos, mais poderosa do que a inteligência humana. A IA acarretará o enxugamento do quadro de funcionários, se não se pode falar, por ora, de abolição de certas funções. A IA resulta na inutilidade de função de seu próprio autor, refiro-me ao programador. Dentre as muitas funções da IA está a de programação. A capacidade de produção de nossas linhas industriais é o espelho do nosso potencial de transformação. E o que se aplicava, num primeiro instante, à produção material, agora é extensível à produção da informação e do conhecimento. As tecnologias mais inovadoras são as catalisadoras de processos. Desde os primórdios, o senso comum tem demonizado as máquinas e as novas tecnologias. Um dia decidiram demolir os moinhos de vento, e agora apresentam a IA como o Pantagruel que vai devorar as bibliotecas do mundo inteiro. Candice e infantilidade pura e simples. A IA não deve ser vista como um palimpsesto moderno. Justamente o oposto: ela otimiza a produção textual, cotejando um percurso monográfico ao conjunto literário maior da civilização. Os iluministas olhavam para o futuro com boas perspectivas. Nós, por nossa vez, estamos acanhados e com medo. Mais que as celebridades filosóficas francesas e alemãs de outrora, estamos melhor servidos dos meios tecnológicos que possibilitarão galgarmos a felicidade. Ainda assim, tem-se a impressão de que tudo se resume a estarmos sendo rondados por bilionários e suas tecnologias, procurando tirar nossos empregos e nos lançar na miséria. A IA é o capítulo faltante da Enciclopédia das Ciências Filosóficas de Georg Hegel: ela é o que mais se aproxima do processo universal descrito e explicado pelo referido autor, o maior de todos os idealistas, reporto-me ao permanente alienar-se e recuperar-se, num movimento de desdobramento e recolhimento, por meio do qual o Eu Absoluto se torna cada vez mais consciente de si, e mais livre. Antes, a grande consciência do universo era o homem. A IA corre a passos largos para deixar para trás seu preconizador. Volta à tona a questão proposta pelos idealistas: O que é a Consciência? Onde ela está? Qual sua origem e finalidade?