O retorno do debate sobre as cotas
Caso de transgressão ou de interpretação?
Por Cleverson Israel 17 min de leitura
O deputado estadual Alex Brasil (PL) apresentou o Projeto de Lei n. 0753/2025, que não encontrou barreira para que fosse aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, da Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Situando o amável leitor deste artigo, a ocorrência legislativa nos remete à data de nove de dezembro do corrente ano. O aval ao projeto só não foi unânime pela exceção dos votos contrários dos parlamentares Fabiano da Luz (PT) e Rodrigo Minotto (PDT). A iniciativa legal em comento quer acabar com as cotas raciais e todas as demais cotas. Seria ressalvada a supressão das cotas em somente tais casos: PcDs, critério econômico e alunos de escolas públicas estaduais (em razão de competência legislativa). Como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e o Instituto Federal Catarinense (Instituto Federal Catarinense) são da alçada da União, não se acham abarcadas pelo aludido projeto. Com a medida, foram atingidas: a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), as instituições comunitárias que integram o sistema ACAFE, e universidades ligadas ao programa estadual Universidade Gratuita. Tramita, na Casa de Leis, a PEC n. 0004/2025, que tenciona o mesmo objetivo jurígeno, a supressão das cotas. O autor da emenda é o deputado Jessé Lopes (PL). O concurso de duas iniciativas legais visando ao mesmo escopo relaciona-se ao nível de exigência requisitorial. Para mudar a Constituição do Estado de Santa Catarina, é preciso que a proposta seja votada em dois turnos, com um interstício de cinco sessões legislativas entre uma votação e outra, e que o total de votos corresponda, em ambos os turnos, a 3/5 dos parlamentares. Não sendo viável, por ora, uma PEC, optou-se por outra modalidade legislativa. Para quem ainda não sabe, nas universidades públicas, 50% das vagas são para quotistas. Isso significa que a sua chance de ingressar numa universidade pública, se você não tiver perfil de quotista, cai pela metade. O governo federal, entretanto, argumenta que o número total de vagas nas universidades públicas, nos últimos anos, dobrou. Dito de outro modo, agora temos o dobro da metade, ou a metade do dobro. Isso implica reconhecer que o número total de vagas na ampla concorrência permanece o mesmo, de formas que ninguém vem a ser prejudicado. A presente discussão, entretanto, deve ser circunstanciada. A composição étnica do Estado de Santa Catarina não é a mesma de outros Estados da Federação, como a Bahia, por exemplo. Reservar 50% de cotas em nosso Estado, cria uma assimetria, esse é o argumento invocado, pois pessoas pretas e pardas somam apenas 23,3% do total da população. Santa Catarina tem a população mais branca do país. Sem embargo, lado outro, o fato é que o preconceito em nosso Estado, contra essas pessoas, é maior do que em outras partes do território nacional, motivo pelo qual convém reforçar ainda mais, as políticas compensatórias e afirmativas. A secretária de educação do Estado, Luciane Bisognin Cerretta, manifestou-se contrariamente ao PL aqui em comento. Autoridades federais, departamentos do Planalto Central e o MEC, fizeram pronunciamentos repudiando a iniciativa legal barriga-verde. O povo catarinense tem o direito de expressar, reproduzir e perpetuar sua identidade. Essa identidade, todavia, deve incorporar e promover inclusão. Uma sociedade calcada no trabalho haverá de ser bela, digna de elogios, mas o valor do trabalho não pode estar descasado da solidariedade, da justiça social, da paz, da segurança econômica. Se o que se quer é enaltecer o trabalho, por força de coerência, devemos fomentar a educação superior e tecnológica, e o acesso a ela para todos os cidadãos, independentemente de etnia, dado que a qualificação é potencializadora de profissionais criativos e inovadores. Juridicamente, percebo a iniciativa legal como inconstitucional. Inconstitucional nos dois níveis: federal e estadual. Ela se choca com o princípio da igualdade entre os seres humanos. Isonomia não é tratar a todos igualmente. Isonomia é tratar a todos distintamente, na exata medida das suas desigualdades, para que o resultado final seja a equiparação. Esse movimento da ALESC é roto juridicamente e politicamente. Porque política de verdade preconiza o todo. O que se quer, aqui, é agradar à maioria que, por coincidência, exibe determinado perfil ideológico. A produção de normas não pode pautar-se em propósitos eleitoreiros. Nós, catarinenses, precisamos estar alinhados com o pacto federativo, produzindo leis que se harmonizem com o ordenamento jurídico pátrio, e, fosse pouco este argumento, recupero a noção de que somos um povo predominantemente cristão, pelo que deveríamos ser um modelo de acolhimento e congraçamento para com todos os nossos semelhantes. Inclusão é luz!
