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Tive fome e me deste de comer!

Partilha é comunhão!

Por Cleverson Israel 18 min de leitura

Em primeiro de dezembro de 2025, o prefeito de Florianópolis assinou o Decreto n. 28.550, que proíbe a dação de comida aos moradores de rua, ficando a violação ao comando sujeita à sanção de multa. Quem quiser alimentar estes seres humanos, terá de fazê-lo, necessariamente, se quiser atender ao princípio de legalidade, mediante entrega nos Pontos de Distribuição Organizados (PDOs). A mens legis da iniciativa legal giraria, supostamente, em torno de segurança sanitária e ordenamento do uso dos espaços públicos. Do ponto de mira constitucional e legal, seria possível interpretar a produção normativa referida como vergastadora de valores jurídicos como o direito a acesso ao alimento e a solidariedade entre os integrantes da sociedade brasileira. É uma escolha não apenas jurídica, mas política. O catarinense não se sente bem em dividir o espaço com o povo favelado e com pessoas em situação de rua. Aliás, ninguém se sente, a distinção é que o barriga-verde não disfarça. Não é nem um pouco agradável andar pelas calçadas e ver jogada fora xepa (restos de comida), e o pior, o produto das necessidades fisiológicas de quem não conta com disponibilidade de banheiro. Lado outro, ter de se deslocar a um PDO, dificulta para quem tem intenção de ajudar, eis que se depara, eventualmente, com a circunstância de o ponto mais próximo achar-se fora de mão. Suponho que a decisão do Executivo, tenha tido como ponto de partida, a construção de um consenso entre o conselho de segurança alimentar e o serviço de abordagem. Não raro, dentro de uma mesma política, como a de assistência social, vemos o concurso de duas diretrizes legais ou axiológicas. E nem sempre é fácil desfazer ou contornar esta espécime de antinomia. Concentrar a distribuição de alimento nas PDOs força a população em situação de rua se deslocar até esses lugares ou suas adjacências, gerando adensamento nas suas imediações, e removendo esses sujeitos dos lugares mais ermos em relação às aludidas unidades. E isto não é tão somente uma constatação, mas, quiçá, a verdadeira metodologia que subjaz à adoção da novidade jurígena. A presente discussão diz respeito ao modo como governantes e sociedade interagem com suas demandas. A assistência social e o serviço social passam por uma profissionalização crescente. Para absolutamente tudo há um jeito tecnicamente adequado de se fazer. A expansão dos mecanismos protocolares de intervenção, por sua própria natureza, colide com a fraternidade, solidariedade e caridade dos civis administrados. O Estado a tudo avoca para si – o que tem um efeito muito bom, como a elevação de uma praxe ao status de política pública social – mitigando, entretanto, deste modo, a discricionariedade de quem tem boa vontade. A boa vontade é a liga que mantém unido o tecido social. Assunção máxima de atribuições esvazia o protagonismo dos cidadãos. Todas as pessoas, quaisquer que sejam seus níveis de integração à sociedade, devem observar os preceitos legais. Sem embargo, quando o tema é população em situação de rua, a produção de leis precisa focar em promoção, e não em proibição. É preciso afirmar, e não negar. Sem ordem não há progresso. Não me coloco desfavorável à organização da distribuição dos recursos alimentares. O fato é que, quem tem fome, tem pressa. Em momento algum se preconizou encurtar o caminho entre o famélico e o alimento. O estético parece sobrepor-se ao ético. A maior preocupação pertine ao viés de como a sociedade economicamente integrada percebe os excluídos/avulsos. O alvo da atenção não são os marginalizados, mas o olhar dos que operam no centro e que emitem juízo de valor acerca dos alijados. Mais que executar a Política Nacional de Assistência Social, cujo adimplemento envolve as três esferas, Município, Estado e União, procura-se agir sempre segundo um cálculo que busca auferir seu resultado na urna eletrônica. Sou a favor do Estado laico. Com efeito, essa laicidade implica tolerar as manifestações religiosas, suas práticas. No islamismo existe o zakat, que é um imposto que se arrecada para atender aos miseráveis. No judaísmo, recorrentemente, ordena-se que se acolha e defenda o órfão, a viúva, o pobre e o estrangeiro. Jesus Cristo foi expresso ao lecionar que um dos deveres do cristão é a caridade. Quando o Estado penaliza a caridade, infringe o princípio de acordo com o qual cada um é livre para o exercício da sua espiritualidade e religião. Tiago é claro: Fé sem obras é morta! Esse Decreto me deixa numa situação desagradável. Em qualquer época do ano eu não ficaria à vontade com ele. Ainda não é natal, mas começo a pensar que, na véspera, dia em que se realiza a ceia, estarei rodeado de boas carnes e bebidas, doces e presentes, pelo que sou grato a Deus, ciente, entrementes, que tantos outros não gozam da mesma sorte, e ainda, doravante, se verão afetados por uma burocracia desumana e anticristã. Caridade é luz!

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