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Luís Fernando Veríssimo e Mino Carta: duas biografias

Consolidação da cultura tipicamente brasileira!

Por Cleverson Israel 18 min de leitura

Mino Carta (1933-2025) foi um italiano nascido em Gênova. Ainda adolescente, veio ao Brasil com os pais, sob os temores de que, depois da Segunda Guerra Mundial, novos conflitos bélicos viessem a assolar o Velho Continente. Filho de jornalistas e ele próprio jornalista, foi o fundador de revistas como Quatro Rodas, Veja, Isto É e Carta Capital. No que se refere ao primeiro periódico referido, o próprio Mino confessava que não sabia dirigir, e que sequer seria capaz de diferenciar um Volkswagen de um Fiat. Nas mídias impressas em que trabalhou, redigiu artigos críticos ao regime militar. Na qualidade de escritor e romancista, dentre outras obras, publicou O Castelo de Âmbar e A Sombra do Silêncio. Luís Fernando Veríssimo (1936-2025) nasceu na capital gaúcha. Morou nos Estados Unidos da América e no Rio de Janeiro. Trabalhou como revisor de jornal. Foi colaborador da Editora Globo. Escreveu em jornais como Zero Hora, Folha da Manhã, Veja (esta, no formato de revista), O Estado de S. Paulo, Extra Classe, dentre outros. Com mais de oitenta títulos publicados, notabilizou-se por obras tais como O Analista de Bagé e A Velhinha de Taubaté. O trabalho Comédias da Vida Privada foi adaptado para a televisão. Mino foi um jornalista paradigmático que ousou “dar um rolê” como escritor. Luís Fernando foi um escritor, que se viu forçado a atuar como jornalista, para auferir renda para si e a para a própria família. Mino foi pintor. Luís Fernando foi saxofonista. Em tempo: é bem provável que Luís Fernando tenha se destacado mais na música do que Mino se destacou na pintura. Luís Fernando integrou o conjunto Jazz 6, consoante sua fala, “o menor sexteto do mundo, com cinco integrantes”. É curioso que os dois aterrissaram em contextos culturais reciprocamente heteróclitos. Pontuo esta questão, pois a reputo como experiência fundamental para o desenvolvimento intelectual de um ser humano. A criatividade tem o seu locus justamente na zona tensa de transição. A Itália é diferente do Brasil, que, por sua vez, é diferente dos Estados Unidos da América. Se os pais de Mino eram jornalistas, o pai de Luís Fernando era escritor aclamado pela crítica e pelo público em geral. O Tempo e o Vento é obra clássica da verve de Érico Lopes Veríssimo (1905-1975). Jesus Cristo recomendou que enveredássemos pelo caminho estreito. Mino e Luís Fernando seguiram à risca o valioso conselho. Num país como o Brasil, de pobre tradição de leitura, viver para a escrita e da escrita é somente para os heróis. Ambos os aludidos homens tiveram como companheira a velha máquina de escrever, em visível desvantagem em relação à nossa geração, dona de um computador pessoal com editor de texto. Lado outro, eles não tinham, data máxima vênia, a internet e a inteligência artificial para atrapalhar seus planos. Escrevo isso, no sentido de que, não é nada fácil tirar o leitor da frente das telas e convencê-lo a abrir um livro, ainda que esse livro seja cheio de graça, inteligência e humor, como é o caso de Luís Fernando. A genialidade está nos tratados complicadíssimos de filosofia e matemática, mas também reside na cultura de massa, no poder de fazer das trivialidades do cotidiano, matéria-prima a cativar o leitor de compleição intelectual média. Mino e Luís Fernando não foram produtores de conteúdo cujo perfil coincide com os fanáticos promotores de lavagem cerebral. Diferentemente, em doses módicas e homeopáticas, forneciam ao leitor pílulas de lucidez, que instavam os leitores a despertar para a realidade política do país e para a condição humana, com todas as suas nuances. Mino e Luís Fernando, para além dos seus próprios talentos, mostram que o Brasil é um país que reúne todos os potenciais necessários para ser uma grande nação. Basta acreditar, basta fazer. A seara cultural também é um espaço fértil em que o hábil empreendedor é capaz de prosperar. A maioria das pessoas simplesmente passa pela vida. Mino e Luís Fernando nos deixaram um legado. Eles saíram da vida para entrar na história da cultura brasileira, para entrar na história de nossa literatura. São, enfim, pessoas que não morrem, simplesmente descansam. Suas obras remanescem, a fazer eterna companhia. Pessoas que, para além do refinado pensar e do sofisticado escrever, transbordavam carisma e empatia. Aliás, uma das razões pelas quais devemos ler é esta: o hábito da leitura nos capacita a sermos empáticos. A leitura faz com que nos coloquemos no lugar do outro, sofrendo a sua dor, partilhando sua dificuldade. O Brasil está de luto, contudo, no íntimo, feliz, por ter sido o garrão e terra amada de tão extraordinárias personalidades. Mino e Luís Fernando traçaram a brasilidade, eles foram os retratistas de quem realmente somos. Como toda estrela cadente, a trajetória desses dois homens foi meteórica, alumiando as consciências de todos quantos neles fitaram seu olhar. Sim, ambos foram lâmpadas para nossos pés!