Parando para pensar a respeito do nosso modelo de construção
Grandes impressões antrópicas!
Por Cleverson Israel 18 min de leitura
Fui a Porto Alegre três vezes, uma de avião, e, as outras duas, de ônibus. Fiquei estupefato com o que aqueles horizontes me proporcionaram: era prédio e mais prédio, até perder de vista, para qualquer direção que eu voltasse meu olhar. Outro fator que me chamou a atenção foi a quantidade de acidentes geográficos lacustres. Na minha confortável poltrona aérea, refletia para onde iria tanta água em ocasiões de chuvas intensas. Depois pensei: preocupação irrelevante! Não me recordava de nenhuma notícia dando conta de problemas climáticos relacionados a esta circunstância. Entrementes, o que sobreveio entre abril e maio de 2024 fez aquela minha memória dar um estalo, eu não estava tão errado. A propósito, passando do hoje para o ontem: Das sete maravilhas do mundo antigo, uma delas foi o Farol de Alexandria, construído pelo Reino Ptolomaico, entre 280 e 247 a. C. Ele media entre 120 e 137 metros de altura. A maravilha da engenharia náutica antiga acabou vindo ao chão, em virtude de três terremotos, ocorridos entre os anos de 956 e 1323 d. C. Por séculos, o referido farol foi uma das obras de engenharia mais altas da história humana (não nos esqueçamos das pirâmides do Egito!). Fazendo uma transposição para os dias atuais, na Arábia Saudita já está em curso, digo, em construção, um ambicioso projeto arquitetônico. Trata-se do The Line. Esse prédio terá 170 quilômetros de comprimento (sic), 200 metros de largura e 500 metros de altura. Ele será atravessado por um trem de alta velocidade. Integrarão o ambiente: supermercados, escolas, hospitais, parques e áreas de lazer. 9 milhões de pessoas residirão no complexo. Para além de todas as questões técnicas e econômicas, há um elemento subjetivo: o cerceamento social. É uma experiência similar à de um rato de laboratório, colocado com outros de sua espécie, dentro de um grande labirinto. Gosto de estudar filosofia por inúmeras razões. Uma delas deriva do fato de a aludida área de saber me proporcionar memória de longo prazo. O que a genialidade técnica dos gregos nos alertou é de uma singeleza ímpar: o que estamos fazendo é provisório. Engana-se o amável leitor se imagina que a minha preocupação gira em torno de edificações de aço e cimento. Meu zelo é outro: temo por quem habita essas gaiolas das selvas de pedras que criamos. Todas as grandes metrópoles mundiais são marcadas pela tendência acentuada da verticalização. Sismos de impactos planetários levariam ao chão essas estruturas onde trabalhamos e vivemos, sobretudo nas grandes cidades, com a mesma naturalidade que um pé de vento derriba um delicado castelo de cartas. E ninguém está levando isto em consideração. O Brasil, por exemplo, é um país com pouco mais de quinhentos anos. Desde a ereção da primeira igreja, até o dia de hoje, tudo o que é feito, faz-se calcado na presunção da imobilidade do solo. Em geologia, 500 anos é um intervalo para tomar um cafezinho. Urge que passemos a refletir sobre nossa infraestrutura nacional à luz do sismo de 2010 que abalou o Haiti. Neste exato momento, acompanhamos pela mídia os efeitos drásticos dos abalos que assolaram o Afeganistão. É preciso montar um plano de ação, estabelecendo diretrizes e encaminhamentos, numa situação gigantemente catastrófica, como esta. Eu acredito que o modelo hodierno, predominantemente voltado à verticalização, precisa ser substituído por outro. As novas construções não apenas devem primar pela horizontalização, mas ainda é aconselhável que os prédios já concluídos venham sendo desmontados ou demolidos, até não restar nenhum deles. O partilhamento de informação, entre diferentes data centers, de tudo o que integra a internet, é um perfeito exemplo de cautela em termos de sobrevivência da espécie do homo sapiens. Essa expertise carece ser estendida às tecnologias hard, como é o caso da arquitetura e do urbanismo. No quesito alvo dessa presente discussão, indubitavelmente, os japoneses são líderes no desenvolvimento de tecnologia antissismos. Por muito tempo os países asiáticos se beneficiaram com a ocidentalização, mediante a estratégia de transferência de tecnologia e ciência, de toda forma de saber. É chegada a hora, agora, de termos humildade e, no mínimo, firmar parceria com chineses, japoneses e sul-coreanos, a fim de que não percamos o bonde da história. O empreendimento saudita levanta outra questão: eles estão vivendo o período “das vacas gordas”, e dinheiro, para eles, não é problema. Se a base econômica do país, fortemente vinculada à exploração petrolífera, der uma guinada, será possível continuar vivendo todo esse futurismo? Quem arcará com os custos de manutenção de algo tão gigantesco? Todas as viabilidades devem ser consideradas: viabilidade econômica, viabilidade ao longo do tempo, viabilidade social, enfim, tudo precisa ser muito bem pensado para não criarmos uma manada de elefantes brancos. É isso!