De acordo com o último relatório da FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e para a Agricultura, o Brasil voltou a estar fora do mapa mundial da fome. Isto significa que menos de 2,5% da população do país padece com falta severa de recursos alimentares. Existem numerosos estudos que questionam pelas causas da fome no Brasil. Uma das teses aventadas é a discrepância de renda e escassez de dinheiro que afeta as classes sociais menos abastadas. O Brasil não é cem por cento autossuficiente em produção de alimentos, mas é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, ocupando a primeira pontuação no ranqueamento de diversos gêneros alimentícios. Enquanto escrevo este artigo, por exemplo, saboreio um agradável chimarrão. O Brasil é o maior produtor de erva-mate do planeta. A exportação aumenta o custo dos alimentos no mercado interno, não sendo, todavia, o fator fundamental pela escassez alimentar. Não gostaria de partidarizar a discussão, mas nas gestões petistas o Brasil ascende nos critérios de segurança alimentar, ocorrendo exatamente o inverso quando o Executivo Federal é gerido por mandatários cuja sigla ideológico-partidária tende à direita. A companhia federal de abastecimento alimentar foi desmantelada pelas gestões de direita, e os programas de transferência de renda ficaram comprometidos. O programa Bolsa-Família tem sido alvo constante de discursistas pró-direita. Segundo se alega, mormente pela voz dos agentes econômicos empregadores, as pessoas não aderem às vagas de emprego por conta desse auxílio federal. Apesar de discordar desse ponto de vista, fingirei com ele concordar, para, na sequência, trabalhar algumas ponderações. Se, de fato, o Bolsa-Família afasta as pessoas do vínculo empregatício, a única saída para o empresariado seria aumentar o valor da remuneração, para que a carteira assinada viesse a ser mais atrativa que o suporte governamental. Dentre outras razões, as pessoas trabalham porque precisam subsistir, mas é enfadonho trabalhar apenas em troca do básico, todo ser humano merece um mínimo de conforto. Por fim, quero fazer uma última consideração, e ela é a mais importante de todas, sobre os dizeres de quem apregoa o fim dos benefícios socioassistenciais, colimando esporear as pessoas pela barriga, com o objetivo de submetê-las a quaisquer condições em troca da sobrevivência. Dentro do direito existe um sistema de pensamento denominado “garantismo jurídico”. Uma hermenêutica atenta é capaz de enxergar que a Magna Carta de 1988 perfilha-se a esse paradigma civilizacional. De acordo com este modo de conceber as coisas, o Estado só pode exigir dos seus cidadãos obrigações de naturezas várias, a partir do momento em que, previamente, ele oferta os mínimos existenciais. Dizer: “Quer comer? Vá trabalhar!” é um erro lógico. Ninguém realiza trabalho algum com fome. Não se pode inverter o silogismo colocando a conclusão no lugar da premissa maior. A iniciativa pública, nesse diapasão, não quer subtrair a autonomia e o protagonismo dos administrados, pelo contrário, ela tenciona organizar as circunstâncias de um jeito tal, que a pessoa humana se depare com um contexto favorável, minimamente praticável. A ideia é facultar o destravamento daquelas amarras que obstam a iniciativa privada. São muitos os obstáculos estruturais, inclusive no que diz respeito a estar dentro da legalidade, e o Estado pode e deve ajudar quem se encontra numa situação precária, mas não se conforma a ela. Para encerrar, nenhuma política isolada dará conta de perpetrar a tão sonhada revolução, uma sociedade justa, livre e fraterna. Na convergência de alimentação, saúde, educação, moradia, transporte, cultura, lazer, esporte, etc, é que alcançaremos os valores jurídicos, filosóficos e éticos máximos insculpidos nas cláusulas pétreas da Constituição Federal. Quando se fala em “Brasil fora do mapa da fome” é disso tudo que estamos a falar. Estar fora da escuridão, é estar dentro da luz!