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Abriram-se as portas da grande fortaleza

A árvore está carregada de frutos como nunca antes!

Por Cleverson Israel 17 min de leitura

O mundo em que nasci era este: o conhecimento era de restrito acesso. A Microsoft, fundada em 1975, estava engatinhando. Nasci em 1979. Só em 1989 surgiria a internet como a conhecemos, com seu recurso de URL, desenvolvido por Tim Berners-Lee. Basicamente, o conhecimento estava confinado em instituições como Igreja ou exército, ou na universidade. A propósito, a universidade era para poucos, para muito poucos. As vagas disponíveis eram escassas (e concorridas). A informação ainda estava apegada a itens físicos, do que o livro era o maior paradigma. O parâmetro de controle social consistia em eleger quem acessaria o conhecimento, e o limite desse acesso. Então, gradualmente, a sociedade industrial vai migrando para o modelo de sociedade da informação e da comunicação. A internet chega revolucionando a nossa vida, disponibilizando todo tipo de informação, todo conteúdo científico e de valor cultural. Passa-se mais um tanto de tempo, e, até nas menores cidades, assistimos à edificação de campi ou polos. Universidades públicas e privadas passam a compor a paisagem urbana. Os centros de formação tecnológica também se multiplicam. Os valores das mensalidades podem ser suportados por pessoas de baixa renda, outrossim, situação vislumbrável graças ao avanço tecnológico. O conhecimento que, antes, era tão restrito, agora é onipresente, ubíquo, circula na atmosfera. Aquela elite que por séculos ou milênios guardou o conhecimento a sete chaves, agora vê desmoronar as muralhas que impediam o acesso à fortaleza do conhecimento. A democratização do acesso à internet e à universidade apagou a linha separatriz entre os que estão informados e os que estão desinformados. No entanto, ressalvo que informação não é o mesmo que conhecimento. O conhecimento é aquele preparo intelectual mais sólido que faculta ao seu detentor saber usar adequadamente a informação. Francis Bacon dizia que “saber é poder”, mas agora há muita gente questionando esta afirmação. Sim, saber é poder, quando vemos o emprego de conceitos científicos no desenvolvimento de material bélico, por exemplo. Quando vemos a produtividade do trabalho, físico ou intelectual, aumentada pela técnica. Contudo, pode-se alegar que a mesma situação não se verifica na seara das ciências sociais. Contesto! De certo modo, as ciências sociais têm maior alcance que as suas parceiras, como as biológicas ou exatas. As ciências sociais definem o que fazer com a técnica e com o saber científico aplicado. As ciências sociais empoderam. Elas geram autonomia nos sujeitos que a elas se dedicam. A confluência do know how e do reino dos fins tangenciam-se nas aulas de ética e afins. Ora bem, cá estamos: o que sempre esteve preso, solto agora está. A revolução que se aproxima é a da emancipação de indivíduos e coletividades. A verdade liberta, Cristo assim o disse. Como impedir ou ao menos refrear este processo? As metodologias adotadas sugerem isto: o encantamento. As pessoas estão sendo hipnotizadas e adestradas. Afirma-se à exaustão que conhecimento não é sinônimo de dinheiro, que não vale à pena, em nenhum sentido, cursar uma faculdade. Como foram removidas as barreiras físicas e tecnológicas ao conhecimento, não sobra alternativa senão tirar a sua atratividade. Um processo inverso ao que, na gíria, é conhecido como “enfeitar a noiva”. O ser humano valoriza muito status e prestígio social, valores estes, reconhecidamente simbólicos. O esforço é direcionado, portanto, na desconstrução dos fetiches que envolvem a formação acadêmica. A aura da formação universitária é vítima de uma tentativa de desmantelamento. Como se a formação acadêmica deixasse de ser um marcador social, cultural, profissional, econômico. Realmente, a faculdade já não mais alavanca as finanças das pessoas, como foi no passado. E é nessa tecla que os influencers estão fazendo calo no dedo, de tanto bater. Com efeito, a despeito da relevância dos recursos econômicos, a vida é mais do que dinheiro. E, para ser bem sincero, as coisas mais importantes da vida não podem ser fisicamente tocadas. O que o conhecimento me deu, dinheiro algum pôde ou pode me dar: torno-me, cada vez mais, cada dia um pouco, mais humano, mais gente, mais sujeito da minha história e partícipe da comunidade e da sociedade. Este é o absurdo dos nossos dias: as pessoas estão famintas, deparam-se com um estupendo prato, com uma suculenta alcatra e bebidas do melhor feitio, mas ali está um influencer: “não coma deste prato, ele não vai saciá-lo!”. Situação tragicômica, que só encontra paralelo no voto do poviléu, que se orgulha de empoderar políticos, que patrocinam leis e ações, que vão contra aos seus mais figadais interesses. Dos dias da velha Roma, até agora, é assim que o mundo segue!