Brasil e Portugal: um novo padrão de relação
Um dia todo filho cresce!
Por Cleverson Israel 17 min de leitura
Dias atrás, eu lia uma matéria jornalística, falando a respeito de Portugal e dos brasileiros que lá residem. O conteúdo tinha como ênfase uma suposta inversão de lugares simbólicos. No sentido de que a metrópole estaria sendo fortemente assimilada, e a colônia, o Brasil, sobressaindo como a grande referência lusófona. A ponto de serem criadas expressões como “Guiana Brasileira” para reportar-se a Portugal. A presença massiva de brasileiros, em vários pontos do território português, tem contribuído para essa transformação. Em Braga, um município do norte do país, há a maior concentração de brasileiros, onde nossos compatriotas são chamados de “braguileiros”. Numerosos brasileiros trabalham em Portugal como odontólogos ou advogados. O convênio entre a Ordem dos Advogados do Brasil e a Ordem dos Advogados de Portugal foi suspenso ou revogado, mas quem ingressou no país durante a vigência do acordo não foi atingido. Além do mais, os brasileiros fazemos todos os tipos de trabalho em Portugal. Gírias e outras expressões linguísticas do português brasileiro estão a compor a tapeçaria do português lusitano. No geral, os portugueses sabem muito mais e se interessam muito mais pelo Brasil e pelos brasileiros, do que o inverso disso. Ou seja, nós por eles. Paulo Freire dizia que “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se tornar opressor”. Isto nos alerta para o bom senso de que seria inadequado ao extremo pretendermos olhar para Portugal como uma mera “sombra” do Brasil. Um relacionamento não paritário e não sinalagmático está fadado à bancarrota. Os partidos políticos portugueses de direita estão empenhados em “purificar” o idioma português e a cultura portuguesa desses elementos brasileiros que, para eles, são estrangeirismos. O respeito é um imperativo moral. Um comentário jocoso pode levar consigo uma ofensa. A posição de subalternidade não é necessariamente reflexo de languidez, como a posição de liderança não traduz sempre e apoditicamente um tipo de superioridade. Em muitas das vezes, é circunstancial estar na posição de cavalo ou de cocheiro. Em todo caso, a humildade, a ponderação e a discrição são sempre bem-vindas. Devemos levar conosco, quando nos deslocamos para a Europa ou outra parte do mundo, o princípio de acordo com o qual não devemos causar problemas e nem termos questões na Justiça do país anfitrião. De igual maneira, quando é um estrangeiro que decide firmar residência, ou mesmo passar uma temporada, no Brasil, ele é credor de uma recepção de primeira linha. Na época em que educação era um artigo de luxo no Brasil, os filhos de fazendeiros, coronéis e demais fidalgos, iam para Portugal, geralmente Lisboa ou Coimbra, para graduar-se, sobretudo como bacharéis em direito ou em medicina. O momento, agora, é outro. Nós e os portugueses, deveríamos intensificar a experiência de intercâmbio de estudos. No sentido de que, os portugueses venham para cá, aprender conosco, e nós possamos usufruir do sistema de ensino português. O eixo econômico do mundo também passa por transformação. Estando o Brasil alinhado com a nova ordem, inclusive como um importante integrante do BRICS, vem a ser estratégico para Portugal fazer aproximação conosco. A disputa por poder e status tem destruído indivíduos e famílias. Não deixemos que processo semelhante venha a inquinar as relações entre Brasil e Portugal. Em vários aspectos, Portugal se identifica mais com o Brasil do que com a Europa. E essa identidade deve ser “explorada” – na melhor acepção que se possa dar a este termo – tanto por brasileiros quanto por portugueses. As grandes navegações foram um empreendimento não só político, mas também econômico. Como o tráfico de escravizados foi um negócio econômico e altamente lucrativo. Pontuo isto, para dizer que, o ponto de inflexão na relação luso-brasileira tem como mote a mudança econômica. Saímos da dependência para o protagonismo. Exportar novela, música e futebol, não deixa de ser uma influência. Todavia, precisamos ousar mais. Precisamos encontrar fórmulas de cooperação na seara científica, tecnológica, no aprimoramento de processos de produção e de geração de renda. A supremacia econômica do Brasil, que parece estar caminhando para uma consolidação, jamais haverá de apagar a verdade irremovível, de que os portugueses nos deram o idioma, a religião, a cultura política e jurídica, a psiquê coletiva que enforma nosso caráter. O que devemos fazer é celebrar as convergências que nos unem e aproximam, reforçar os contatos horizontais, aqueles que cobrem o Atlântico e fazem de nós, mais do que lusófonos, irmãos. Portugal e Brasil sempre serão espelhos a refletir as luzes do amor recíproco.