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O pão de cada dia do advogado

Tramita o Projeto de Lei n. 3.985/2023, que pretende alterar o Estatuto da Advocacia. De acordo com a proposta, bacharéis em direito, ainda que sem aprovação na Ordem, e outros profissionais oriundos de outras graduações, poderiam integrar sociedades de advogados. Numerosas críticas têm sido encetadas contra a novidade legal. Dentre elas, o fato de que, […]

Por Israel Minikovsky 15 min de leitura

Tramita o Projeto de Lei n. 3.985/2023, que pretende alterar o Estatuto da Advocacia. De acordo com a proposta, bacharéis em direito, ainda que sem aprovação na Ordem, e outros profissionais oriundos de outras graduações, poderiam integrar sociedades de advogados. Numerosas críticas têm sido encetadas contra a novidade legal. Dentre elas, o fato de que, por exemplo, segredos de profissão (de clientes) cairiam no conhecimento de quem não se submete à deontologia jurídica. O regime tributário seria igualmente impactado, dada a condição fiscal própria de advogado. E, no geral, ataca-se a famigerada “mercantilização”. Sinceramente, o que mais me incomoda é isto: ao recepcionarmos o ingresso de um terceiro num escritório de advocacia, ainda que para potencializar a carteira de clientes e o faturamento do empreendimento, estamos renunciando àquilo que faz de nós profissionais valiosos. Esse sócio puxador de clientes, o alavancador de marketing, seria ou um amigo de empresários, ou um político de prestígio na praça. A consequência do esquema será esta: a figura de referência no escritório, para os clientes, será o agenciador, ficando os advogados restritos a executivos de atos burocráticos. Perde-se a noção de talento profissional. Mesmo que essas causas patrocinadas redundem em êxito, o mérito ficará com aquele que não compreende um “i” de direito. A advocacia não vende um produto, não é fábrica e nem loja. Firma-se uma radical separação entre quem tem a perícia ou a arte do ofício, e trabalha exaustivamente em processos judiciais, e aqueles que de coisa alguma entendem, jamais trabalham, apenas atendem mercadologicamente os clientes, e acabam ficando com todo prestígio do esforço demandado pelos juristas advogados. É o pior, de todos os cenários possíveis, para a advocacia. Não ser nada em seu próprio nicho profissional. Mais ou menos como estar em situação de rua dentro da própria casa, mesmo que ela seja uma mansão. O projeto é espelho fiel da lógica capitalista: traça uma separatriz entre os que não trabalham e ganham muito, e os que trabalham, e ganham pouco. A aprovação da proposta reforçaria a proletarização da advocacia. Ao longo dos anos o advogado vem perdendo o protagonismo, ficando relegado a uma condição de coadjuvante. E a aludida iniciativa legal tende a reforçar esta tragédia. O Brasil, desde muito, tem sido criticado por ser um país “bacharelesco”. Digo em letras garrafais: sejamos bacharelescos. Pois nosso diploma vale muito, sim! Se ele não valesse, a propositura da mudança em comento não teria emergido. Os advogados e outros profissionais liberais devem lutar pelas suas prerrogativas. A classe média é uma classe social de fundamental importância para as democracias. Querem nos despir não só de nossos proventos, mas de nossa dignidade e influência política. Implicar outras pessoas na atividade da advocacia, sem formação jurídica, corresponde a diminuir substancialmente o critério do conhecimento e elevar o nível de influência do capital político e financeiro. Tudo caminha, portanto, para que sejamos funcionários engravatados. Eu penso que deva haver uma mobilização nacional contra o projeto aqui referido, e que ele sirva para uma tomada de consciência. No fundo, ele é só mais uma etapa, de um desmonte, que se espraia ao longo de muitos anos. O Brasil já é o país que mais tem advogado no mundo. Sozinho, o Brasil tem mais advogados do que o mundo inteiro, afora ele. Fica a pergunta: é por falta de mão de obra que integraremos bacharéis sem aprovação em exame de Ordem e profissionais de outros cursos em nossas empreitadas profissionais? A mercadologização é o caminho que reverterá o processo de saturação? Quaisquer que sejam as estratégias adotadas com objetivos comerciais, não nos esqueçamos de que o bolo a ser repartido é sempre o mesmo. Nossa profissão acompanha o crescimento da economia do país, e este é um parâmetro sobre o qual não temos ingerência. De todos os aspectos negativos da proposta, o que mais salta aos olhos é este: a perda da identidade. Lutemos pela manutenção do brio, do encanto, do glamour da profissão. Advogados são estrelas luzentes!

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