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Lembra-se de algo parecido?

Cumprindo promessa anteriormente firmada, o presidente russo Vladimir Putin está enviando dois navios carregados de alimentos para Somália e Burkina Faso. Cada uma das embarcações encerra 25 mil toneladas de cereais. A declaração presidencial foi emitida em 17 de novembro (de 2023), e as entregas ocorrerão entre novembro e dezembro. O ministro da agricultura russo […]

Por Israel Minikovsky 15 min de leitura

Cumprindo promessa anteriormente firmada, o presidente russo Vladimir Putin está enviando dois navios carregados de alimentos para Somália e Burkina Faso. Cada uma das embarcações encerra 25 mil toneladas de cereais. A declaração presidencial foi emitida em 17 de novembro (de 2023), e as entregas ocorrerão entre novembro e dezembro. O ministro da agricultura russo Dmitri Patrushev assegurou que, futuramente, iniciativas similares beneficiarão outras pessoas jurídicas africanas de direito público, como Mali, Zimbábue, Eritreia e República Centro-Africana. Isto fá-lo lembrar de algum discurso, amável leitor? “Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem, e faça o mesmo em relação à comida”. “É melhor dar do que receber”. “Tive fome e me deste de comer”. Talvez alguém argua que a doação esconde algum tipo de reserva mental, ou está de mau plano. Mas não está escrito “é pelos frutos que se conhece a árvore”? Quando o administrador infiel manda os devedores do seu senhor riscar o valor de dívida e escrever menores, não foi considerado esperto por Jesus Cristo? Não só pela expertise de assegurar, a si, socorro daqueles a quem beneficiou, mediante prática de fraude, contudo, acima de tudo, porque, de uma forma ou de outra, repartiu. O que mais importa é a repartição, é a partilha. Este é o evangelho da prática. Sim, digo “da prática”, porque existe outro que fica só no discurso. Do alto de muitos púlpitos vem sendo anunciada uma boa-nova que demoniza vieses políticos calcados em valores sociais, que sofrem do mal incorrigível de acolher pessoas cujo perfil, em tese, não se compatibilizaria com as Sagradas Escrituras. Na multiplicação dos pães, ou no seu relato, não se verifica a adoção de algum tipo de critério separando os que teriam acesso ao alimento, se cumpridos os competentes requisitos, e os que ficariam de fora da liberalidade, por inadequação. Ao menos neste momento, não se antepôs aos donatários africanos algum tipo de condicionalidade pelos doadores russos, de modo que a doação será efetuada desacompanhada de contrapartida onerosa. Basicamente, existem duas metodologias de governança do mundo: uma preconiza a realização de riqueza rápida concentrada em mãos de poucos, e outra compreende que todos são dignos da segurança alimentar e social. No segundo caso, o econômico deve ser vertido para a satisfação das necessidades sociais, ao passo que, na primeira perspectiva, a sociedade é um conjunto de instrumentos, entre os quais está o próprio ser humano, que se resume a mera mediação objetiva para a acumulação de mais-valia. Os russos estão fazendo guerra contra os ricos e doando comida aos miseráveis. Democracia é importante, sim. E ela principia pelo acesso isonômico aos recursos alimentares. E, isto, em termos mundiais. Nossa casa comum é o planeta. O que afeta os africanos afeta a nós também. Se a Constituição Federal do Brasil coloca como um dos seus objetivos o desenvolvimento mais ou menos uniforme entre as várias regiões integrantes da União, esse entendimento é comungado pelos russos, no plano internacional. O esquerdismo é visionário desde o momento em que nasceu. O eixo de três pontos Paris-Londres-Washington está sendo relativizado pelo governo russo que planeja o desenvolvimento do extremo-Oriente, uma região historicamente ignorada. E nessa empreitada, a área geográfica visada pertence ao próprio território russo, sem prejuízo das demais parcerias com os vizinhos de fronteira e proximidades. Ser governo não consiste em apenas tirar vantagem econômica de tudo e de todos. Antes de mais nada, ser governo é chamar para si os problemas e as demandas, e resolvê-los com eficácia, eficiência e efetividade. A Rússia está, hoje, neste binômio: guerra e diplomacia. Pela guerra firma sua autoridade, pela diplomacia distribui justiça social. Misturam-se soberania nacional e mundial. Em termos de direito internacional público seriam coisas distintas, todavia, que se confundem e se misturam na geopolítica de fato. O Ocidente aposta na globalização, os russos e chineses apostam no globalismo. A relação, no mínimo, está ficando cada vez mais paritária, se ainda é cedo para admitir que o jogo virou completamente. Luz!

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