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Identidade de classe

A União tem se articulado na Câmara Federal para que os motoristas de aplicativo tenham suas atividades regulamentadas. Com isso, é mostrado que o setor de serviços tem crescido, e que o número de trabalhadores que atuam neste ramo é cada vez maior. Motociclistas e motoristas de carros populares também votam. Ocorre que institutos de […]

Por Israel Minikovsky 15 min de leitura

A União tem se articulado na Câmara Federal para que os motoristas de aplicativo tenham suas atividades regulamentadas. Com isso, é mostrado que o setor de serviços tem crescido, e que o número de trabalhadores que atuam neste ramo é cada vez maior. Motociclistas e motoristas de carros populares também votam. Ocorre que institutos de pesquisa de opinião vêm mostrando que, no seio desta categoria, de cada dez indivíduos, quatro são de direita ou extrema-direita, quatro de centro e dois, apenas, de esquerda. Comparativamente, quem é celetista numa fábrica metalúrgica, aufere maiores rendimentos do que motociclistas e motoristas, cumpre rígidos horários de trabalho, vê a si próprio como um trabalhador, alguém explorado pelo sistema. Já os motociclistas e motoristas não se identificam com o discurso de esquerda. Como eles gozam de autonomia e podem, até certo limite, definir em que horário trabalharão, se veem como empreendedores, como alguém que tem seu próprio negócio, ainda que, na melhor das hipóteses, não se ultrapasse em muito a mera linha da subsistência. Chega a ser risível que pessoas de tão baixa remuneração defendam uma agenda política conservadora. Entretanto, as siglas de esquerda precisam refletir sobre como aliciar estes trabalhadores. O caso ilustra bem o quanto o ser humano é resistente a ter de estar num local físico determinado, num horário determinado. As pessoas valorizam poder organizar o próprio tempo, poder movimentar-se pela malha viária do município onde habita. A liberdade parece valer mais do que o próprio alimento. É preciso mostrar a motociclistas e motoristas que ninguém maquina acabar com essa metodologia de trabalho. O que se pretende é somente zelar a fim de que, para além dessa independência, tudo possa ser feito dentro de um ambiente de dignidade social e econômica. O discurso político precisa percutir na mente do eleitorado. A religião impacta negativamente o esquerdismo, aqui no Brasil, pelo menos duas vezes. Primeiro, o Vaticano varreu o esquerdismo da Igreja, e o petismo eclesiástico deixou de ser uma realidade pujante, e depois veio a onda evangélica, que me parece ser, do ponto de vista espiritual, uma benção, mas qual cavalo de Troia, de brinde, no seu bojo, guardou e exibiu a extrema-direita. Pela teologia do domínio, o entregador de marmita que trabalha em condições precarizadas, ao invés de se ver como um opresso, se vê como alguém que participa e é, de algum jeito, o protagonista do processo de dominação do mundo. Para que se ver como perdedor, se se pode ver como vencedor? Tudo, pensa esse cidadão, é uma mera questão de perspectiva. As tecnologias da informação cumprem com maestria aquilo que Marx chamava de superestrutura. Por meio de dispositivos conectados à rede mundial de computadores, as pessoas têm a impressão de que estão plenamente integradas ao sistema. Nem percebem que, a despeito do uso destes canais de informação e comunicação, a participação nos dividendos gerados por meio destas mediações se submetem a regime de participação de haveres nem um pouco simétrico. Esse fenômeno tem sido usado para mostrar que a Teoria Crítica é um pensamento obsoleto. Porém, não foi o próprio Marx que criou o conceito de materialismo histórico, de acordo com o qual o ser humano é um feixe de relações sociais, e a maneira como ele ganha a vida condiciona sua maneira de pensar, sendo que não é a consciência do homem que define seu ser, mas seu ser social define sua consciência? Uma nova metodologia de trabalho gerou uma nova maneira de conceber o mundo. Ora, isto é marxismo puro. Destarte, o pensamento de Marx e Engels está mais vivo do que nunca. Assim como em experiências passadas a intelligentsia soube aproveitar um contexto para agremiar o contingente de explorados, falta, em nossos dias, alguém suficientemente erudito e experto, que execute o mesmo, com um discurso atualizado. A fórmula do sucesso, agora perdida, é esta: que filósofos, intelectuais, pensadores, deem as mãos aos mais astutos propagandistas. É consenso de que os trabalhadores itinerantes devem ser alcançados. Fica a pergunta: como?

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