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Dação de oiças como ética mínima

Ibriela Bianca Berlanda Sevilla é uma professora, de 44 anos, que exerce o magistério há 25 anos, estando atualmente lotada na Escola Estadual Professora Angela Lourdes Sarturi Lago, em Chapecó (SC). A referida profissional da educação é doutora em Teoria da Literatura, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pela primeira vez, em sua carreira, […]

Por Israel Minikovsky 16 min de leitura

Ibriela Bianca Berlanda Sevilla é uma professora, de 44 anos, que exerce o magistério há 25 anos, estando atualmente lotada na Escola Estadual Professora Angela Lourdes Sarturi Lago, em Chapecó (SC). A referida profissional da educação é doutora em Teoria da Literatura, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pela primeira vez, em sua carreira, ela se vê no polo passivo de um processo administrativo disciplinar. O motivo? Ter trabalhado em sala de aula, no primeiro ano do Ensino Médio, a obra “Não alimente a escritora”, da autoria de Telma Scherer. Scherer resolveu desenvolver o trabalho literário aludido assim que foi alvo da abordagem de nada menos do que dez policiais. Os milicianos executaram o atendimento à suposta ocorrência na qualidade de censores. Sevilla tomou a obra e a biografia de sua colega de profissão como arma contra a repressão. Em sala de aula foram abordados temas como gênero, sexualidade e os motivos ensejadores da prisão da autora. Portanto, o que se vê é isto: os conservadores reiteradamente apostam na repressão, ao passo que os progressistas, cada vez mais, desafiam o indivíduo e a sociedade à compreensão e à reflexão. O conteúdo manejado em sala de aula só redundou em abertura de procedimento de averiguação quando algumas alunas reclamaram da professora a seus pais. Com efeito, percebe-se um choque entre a visão de mundo da família e o que é passado aos filhos no ambiente escolar. Os pais, em muitas das vezes, pouco estudaram e não contam com maiores elementos de apreciação que não seja a pregação do púlpito. E eu não tenho problema algum com religiões, pois sou intenso estudioso delas. O xis da questão é que os pais não estão preparados para debater certos assuntos e, por consequência, orientar os filhos adequadamente. O medo, a insegurança, o sentir-se inferiorizado, ou alijado, o estranhamento ou a sensação de não pertencimento fazem os sujeitos apelarem para pessoas autoritárias, de que emanam ordens autoritárias. A referência, de um jeito ou de outro, é restabelecida. A proibição é mais cômoda do que a conscientização, porque não requer esforço. Não vejo problema em realizar esta abordagem ainda cedo. Entrementes, ponderemos que os alunos já estavam no Ensino Médio. É abstruso que as famílias não aquiesçam à abordagem destes conteúdos em sala de aula, onde tudo é dirigido e planejado, há todo um roteiro pedagógico e uma metodologia racional e empiricamente consolidada, deixando os filhos livres, acolá adiante, para acessar pornografia onde vale tudo. Vem ocorrendo um mal-entendido muito grande. Não confundamos filosofia de tolerância com apologética de homossexualidade. Assim como ninguém pode ser constrangido a ser heterossexual, ninguém pode, pela mesma razão, ser constrangido a ser homossexual. Dar ouvidos não é o mesmo que concordar. Escutar é simplesmente ter a mente aberta para o discurso de um segmento social que participa da mesma comunidade que a nossa. Precisamos conhecer as dificuldades do outro, quais são suas necessidades. O que os filósofos têm defendido, desde o Iluminismo até o dia de hoje, é isto: Sejamos tolerantes, sejamos respeitosos para com todos, não sejamos preconceituosos e não tenhamos condutas excludentes. O próprio Cristo foi extremamente acolhedor com pessoas marginalizadas e estigmatizadas de sua época. O sociólogo norueguês Johan Vincent Galtung (1930-2024), que se dedica aos estudos dos conflitos internacionais, leciona que uma tensão social muito forte, seja ela derivada de fatores políticos, econômicos, culturais, étnicos, religiosos ou de orientação pessoal, quando não contemplados com o correto tratamento, tendem a desembocar na guerra. E, bem neste momento, ouvimos rumores de guerra em toda parte do mundo. Isto significa que, em vez penalizar o trabalho sério de uma professora, cuja intenção não vem a ser outra senão construir um mundo mais feliz e mais ético, deveríamos fazer uma pausa para a escuta qualificada. Com o ouvido, ouvir o que se diz, com a mente, perguntar-se por que se diz. O discurso ético-político não está aí para agitar personalidades em fase de formação, ele encarna o entendimento de que um mundo justo, pacífico e fraterno não pode prescindir do diálogo. Ser ético é tratar o outro e a si mesmo com a devida dignidade. Essa ética prática, malgrado, só é executável se for precedida da ética mínima, esta, consistente em ouvir o que o meu próximo me diz. Não é demanda para repressão, é uma súplica por compreensão. Luz!

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