Recentemente li uma matéria sobre a realidade do envelhecimento de animais. A revista, que veiculava a manchete, expunha o ponto de vista do médico veterinário Leonardo Garbois, defensor de uma espécie de geriatria animal. O especialista advogava o entendimento de acordo com o qual seria necessário ministrar tratamentos específicos para animais longevos. Seria recomendável, e até imperioso, preocupar-se com bem-estar, conforto e funcionalidade dos pets. Focar, na medida do possível, em qualidade de vida. Nós, humanos, deveríamos ter respeito para com o ciclo vital derradeiro, e para com a morte dos animais que nos ladeiam. Como filósofo, sinceramente, concordo com as colocações supra. Entretanto, a grande sabedoria desta vida é a dosagem, a dosimetria. Em 2023, por exemplo, foram registrados 51 ataques de cães, no Brasil, que redundaram em óbito. Os culpados? Nós mesmos! Estamos humanizando os animais. Não raro, os animais domésticos são tratados como filhos. Isso lança em face deles uma sobrecarga emocional, justamente o que eles não conseguem gerir, disparando comportamentos agressivos. A permissividade é outro problema. Quando filhotes, toleramos todo tipo de conduta, como faríamos com um bebê humano. Uma vez crescidos, não assimilam regras e não aceitam limites. A depender do nível de intimidade com os seres humanos, os animais podem ser: domésticos, sinantrópicos ou selvagens. Pondero, no entanto, que mesmo os animais domésticos continuam a ser o que eles são, animais. O animal é desprovido de intelecto. Os seres irracionais, porém vivos, devem ser respeitados da forma adequada, segundo aquela fagulha de perfeição, que guarda dentro de si, inexa às criaturas concebidas pela vontade divina. Mas a não violência encontra seu limite numa linha separatriz que é a da humanidade. Nós somos imagem e semelhança de Deus. Em todo o universo criado, a nossa dignidade é exclusiva. O amor recíproco entre os seres humanos, por tal razão, é um dever, e é uma exclusividade. A atenção que se dirige a uma pessoa humana não pode ser dirigida a uma criatura não humana. Criaturas são meras criaturas. O ser humano é, outrossim, criatura, mas porém, é, além do mais, filho de Deus. Não se devem jogar pérolas aos porcos ou coisas sagradas aos cães (Mt 7, 6). Nossa intimidade é sagrada. Com animal não se tem intimidade. Quando empós receber afeto excessivo, o cão se volta contra o tutor e faz dele sua vítima, estraçalhando seu corpo, está a tornar manifesto: “não sei lidar com isto”, “isso me estressa”, “não tenho condições de recebê-lo”. Já que os animais não falam, falo por eles. Tratar animais com brutalidade é sinal de ignorância severa. Todavia, um cavalo velho não pode ser tratado como um ser humano idoso. Na filosofia há uma crítica ao que se convencionou chamar de “especismo”. Essa crítica calca-se na premissa de que o ser humano é, no máximo, uma espécie vital dentre outras espécies, sem nenhum atributo que lho torne superior. Não concordo com o ponto de partida, muito embora reconheça que, um dos resultados práticos advindos desta perspectiva, seria uma maior consideração para com as espécies que conosco partilham o ambiente. Não vejo problema em estruturar uma ONG para socorrer animais domésticos derrelitos. Acho que é até bom fazê-lo. Sim, porque a medida gera contraste. Estão labutando pela dignidade animal? Ótimo! E como está a dignidade dos humanos? Quem afaga cães e gatos, e quase pisa em cima de um ser humano, prostrado na calçada, precisa rever seus conceitos e valores. O hinduísmo, por exemplo, não tolera a supressão de nenhuma forma de vida. Matar um inseto, neste sistema religioso, é pecado gravíssimo. A vaca, então, é, literalmente, uma deidade. Consoante a evolução de sua alma, abandona-se o corpo animal e se é transformado em gente. A sociedade é dividida em castas. Principia-se nas castas inferiores e, por muito esforço e mérito espiritual próprio, vai se ascendendo até as classes mais altas, até que se chegue à emancipação total. Diferente é a visão judaico-cristã, em que o homem é senhor da criação, podendo e devendo submeter tudo a si. O filósofo e ecoteólogo Leonardo Boff teoriza que, devemos primar por nós mesmos e pela criação que nos circunda, porque temos uma origem comum, a expressão do Plano de Deus, um propósito marcado pelo amor de um Deus pessoal que a tudo redime e santifica. A perda do valor da religião tem como consectário o esfumaçamento das categorias mais basilares, a ponto de não sabermos interagir adequadamente nem com um animal. A meta é a harmonia, e esta última decorre do afastamento dos extremos, reconhecendo-se o estatuto ôntico de cada ícone dentro do panorama geral da Criação. Deus é Deus de relacionamento. Enviou Jesus, seu diplomata, para ter relação íntima conosco. Progresso espiritual é sinônimo de êxito no relacionamento com plantas, animais, coisas, situações, pessoas, e, principalmente, com Aquele que nos deu esta casa comum e que nos fez para o amor.
