Bebês reborn: o fenômeno
Missão de toda a filosofia: discernir entre aparência e essência!
Por Cleverson Israel 18 min de leitura
A discussão do momento é esta: o fenômeno dos bebês reborn. Bonecas hiper-realistas que reproduzem a forma de uma criança recém-nascida. Em geral, do(a) próprio(a) filho(a). O grande problema é o uso que se faz destes produtos. Usar uma boneca (ou boneco) como essa, para furar fila, é uma fraude. Refiro-me aos guichês de atendimento preferencial que contemplam idosos, grávidas, deficientes e pessoas com criança de colo. Mas tem o aspecto filosófico e psicológico. Se, de acordo com Platão, os seres concretos desse mundo são cópias de uma essência perfeita no mundo ideal, um bebê de carne e osso é cópia do bebê ideal, uma enteléquia. Já, o bebê reborn, seria cópia da cópia. Quanto maior a distância em relação ao princípio primário, menor o nível de perfeição ôntica. O bebê reborn é, outrossim, um fetiche. No campo do simbólico apagam-se, às vezes, a diferença do símbolo e do simbolizado. Num mundo onde a maternidade é uma imposição familiar e social, um bebê “de mentira” calha bem, pois ele dá bem menos serviço do que um bebê “de verdade”. O bebê reborn, ao menos neste sentido, parece-se muito com um animal de estimação, como um gato ou cachorro. Não raro, casais sem filhos se referem ao animal doméstico como “filho”. Justamente porque, bebê reborn, gato ou cachorro, não reclama. No máximo, um miado, um latido. Um ser humano de verdade demanda muito mais trabalho e zelo. E, o pior, ainda que o pai e a mãe “deem o sangue”, como se diz, a prole é crítica, faz cobrança, questionamento e externa insatisfação. O aspecto psicológico tem um apelo tão forte, que legisladores já se mobilizam com “n” projetos de lei. Houve quem propusesse multa a quem demandasse atendimento hospitalar no Sistema Único de Saúde com essas bonecas, dado o prejuízo ao atendimento dos demais usuários, e, noutro viés, sugere-se uma política de saúde mental para usuários com esse perfil. Essa última proposta, em meu ver, é coroada de bom senso. Muitas vezes, essas bonecas são usadas para superar o luto de quem perdeu um filho nos primeiros dias de vida. Lado outro, recupero a noção de que, há algum tempo, bonecas adultas, em tamanho real, tornaram-se mercadoria predileta do público masculino frequentador de lojas sex shop. Por conseguinte, esses “bebês” poderiam ser um apelo a práticas pedófilas. Diferentemente de um bebê de verdade, os reborn não crescem, não mudam. Por isso, aquilo que se adota como solução ou preenchimento de uma lacuna, poderá fazer surtir o efeito contrário, um obstáculo que não se remove, uma situação que jaz na estagnação, algo insuperável. No plano espiritual, essa produção customizada é facilmente identificada como ilusão. A ilusão é aquilo que tenciona apresentar-se como verdade, como algo consistente, sem sê-lo. A incumbência que Deus nos dá é essa: cuidar de vidas! Porém, o bebê reborn nos dispensa de responsabilidade, ele não morre. Ele não pode morrer porque jamais viveu. O bebê reborn é o típico “santo do pau oco”. A todo momento somos desafiados a realizar esta escolha: aparência ou essência. Usando uma terminologia agostiniana, a aparência corresponde à cidade dos homens, ao passo que a essência corresponde à cidade de Deus. A ciência, que destronou a filosofia da sua missão de encontrar a verdade real, inaugurando o método empírico, agora produz ilusões. Ela que se arvorou desvelar a episteme, está a produzir a doxa. A ciência colocou ao nosso alcance todos os meios técnicos para fabricar aparências. Vamos ao mercado e compramos um doce de passar no pão, com aspecto, cheiro, sabor e densidade de mel. Mas não é mel. Não possui os nutrientes do mel. E, agora, vem essas bonecas, com aparência, tamanho, peso, cheiro, textura, enfim, com todas as características externas de um bebê de verdade, não passando de uma representação 3D. Estamos a produzir moléculas artificiais, corpos artificiais, inteligências artificiais, e, o pior, uma existência artificial. Esse reino de artificialidade tem o mérito de exibir toda a sua vacuidade e todo o seu niilismo. Que esse oceano de ilusão e sombras nos esporeie, no sentido de cairmos em nós mesmos. E, dado o choque de realidade, passemos a buscar uma vida mais genuína e autêntica, não trocando gato por lebre, do contrário, colocando cada coisa em seu devido lugar, trate-se de elementos concretos ou virtuais. O fenômeno dos bebês reborn sinaliza bem a falta de sentido do nosso tempo. Os valores dignos de culto e sacrifício foram abandonados, em favor de pseudovalores, e a expressão desse ocorrido é a desorientação radical, em nível individual e coletivo. Chega de sucedâneos! Chega de sub-rogar o legítimo pelo ilegítimo! Chega de subtrair o verdadeiro comutando em seu lugar a farsa ímpia e desavergonhada! Os filhos que Deus nos dá, esses, sim, são bênção, são luz!