José Mujica, ou Pepe Mujica para os íntimos, faleceu no último dia 13 de maio de 2025. Nascido em 1935, era descendente de espanhóis e italianos. Além de militante político, era agricultor. Dizia, de si, ser ateu. Treinado em técnicas de guerrilhas em Cuba, participou da histórica Tomada de Pando. Pando é uma cidade uruguaia que se situa a 23 quilômetros da capital, Montevidéu. Em 8 de outubro de 1969, os revolucionários tomaram a delegacia de polícia, o quartel de bombeiros, a central telefônica e vários bancos da referida cidade. Ao longo da vida, Mujica foi “premiado” com seis tiros no próprio couro e mais quatro prisões por fatores de ordem política. Sem dúvida, foi um dos últimos socialistas marxistas à moda antiga. Minha admiração por ele não é maior porque não logrou ser grande intelectual. A intelecção é a dimensão que potencializa todas as demais. Sequer chegou a formar-se em direito, o curso universitário que principiou, mas não finalizou. Esta observação é da maior importância. Se a práxis é a execução fiel da teoria, quando alguém executa o que não tomou forma na teoria, está a executar o quê? Ocupou vários mandatos eletivos, inclusive a Presidência da República do seu país. Foi fundador de um partido político novo. Numa das últimas entrevistas que concedeu, reconheceu que “nascer é um milagre”, muito embora tenha mobilizado esforços para aprovar legislação pró-aborto. Disse que, quando uma pessoa se empenha no trabalho, para levantar recursos econômicos, a fim de realizar aquisições materiais, em verdade, não presta a entrega de dinheiro, mas, em última instância, tempo de vida. Tempo de vida este que, passa e não volta, é irrecuperável. Declarou que uma das prioridades de seu governo seria a saúde pública, em outra mão viabilizando a legalização do consumo da maconha. Foi uma grande liderança política no sentido de promover políticas sociais no interior do seu país, e azeitar a integração econômica do Mercosul, articulando acordos com Lula e Cristina Kirchner. Representou os interesses de sua nação junto ao governo norte-americano, aquando o Executivo Federal daquela potência era ocupado por Barack Obama. Em que pese ter apelado para os meios paramilitares na consecução do seu projeto político, era uma liderança popular e carismática, querido dos seus compatriotas. Isso muda a relação de forças, seja ela o domínio do Estado sobre a sociedade, ou da sociedade sobre o Estado. Com Mujica no poder, havia a mais absoluta reciprocidade e indeterminidade de quem era o continente e o contido. Em linhas gerais, parece que as urnas e a própria História, sacramentaram a trajetória deste personagem latino-americano. Na narrativa de êxitos e fracassos da esquerda mundial, Mujica ingressa num dos capítulos da trama, como aquele que consolida seu espaço de protagonista bem-sucedido, na função de revolucionário de uma pequena república do orbe, nesse incessante movimento de vai e vem. Revoluções, contrarrevoluções, sociedades democráticas socialistas. Enquanto os uruguaios choram a morte de seu líder, o presidente Lula celebra vários acordos de partenariado com a China, trazendo infraestrutura, indústria, tecnologia, recursos financeiros e toda sorte de arrimo à economia brasileira. O Uruguai, grosso modo, é um país desenvolvido. O que pesa ao cidadão dessa coletividade é o custo de vida. Esse alto custo reflete a ausência de uma economia de escala. A saída para esta aporia coincide, em meu ver, com a ampliação do mercado. É preciso transcender os horizontes uruguaios e estender o comércio para o bloco do Cone Sul. O que interessa aos latino-americanos, entretanto, é o oposto às intenções dos países do capitalismo central. Quem, num primeiro momento, foi tido como bandido, na sequência, foi recepcionado como bom governante. E agora vem o evento incontornável: a morte. O falecimento de Mujica faz a nossa atenção convergir para isto: vários líderes globais, de calibre pessoal sem par, sofrem a ação do tempo sobre seus corpos. Isso nos desperta para a necessidade de, continuamente, formar novas lideranças. O legado de Mujica fica aí para quem é jovem: olhar para o mundo como um campo passível de transformações. É possível mudar o mundo para melhor. Antes que toque o último clangor da trombeta, que sinaliza a duração de nossa existência, haverá tempo para realizar o que foi estatuído e confiado à nossa comissão. Não temos o direito de desertar, é lutar ou lutar. Mujica combateu o bom combate, correu a boa corrida. Aos que se empenham em edificar o paraíso no andar de baixo, hão de gozar o paraíso no andar de cima, para surpresa e ironia de seu ceticismo. O grande irmão (Brasil) não se prive de aprender auspiciosas lições de vida com o pequeno irmão (Uruguai). Aprendizagem e experiência sempre são luz!