Página Inicial | Colunistas | José Alberto Mujica Cordano

José Alberto Mujica Cordano

Testemunho de vida!

Por Cleverson Israel 18 min de leitura

José Mujica, ou Pepe Mujica para os íntimos, faleceu no último dia 13 de maio de 2025. Nascido em 1935, era descendente de espanhóis e italianos. Além de militante político, era agricultor. Dizia, de si, ser ateu. Treinado em técnicas de guerrilhas em Cuba, participou da histórica Tomada de Pando. Pando é uma cidade uruguaia que se situa a 23 quilômetros da capital, Montevidéu. Em 8 de outubro de 1969, os revolucionários tomaram a delegacia de polícia, o quartel de bombeiros, a central telefônica e vários bancos da referida cidade. Ao longo da vida, Mujica foi “premiado” com seis tiros no próprio couro e mais quatro prisões por fatores de ordem política. Sem dúvida, foi um dos últimos socialistas marxistas à moda antiga. Minha admiração por ele não é maior porque não logrou ser grande intelectual. A intelecção é a dimensão que potencializa todas as demais. Sequer chegou a formar-se em direito, o curso universitário que principiou, mas não finalizou. Esta observação é da maior importância. Se a práxis é a execução fiel da teoria, quando alguém executa o que não tomou forma na teoria, está a executar o quê? Ocupou vários mandatos eletivos, inclusive a Presidência da República do seu país. Foi fundador de um partido político novo. Numa das últimas entrevistas que concedeu, reconheceu que “nascer é um milagre”, muito embora tenha mobilizado esforços para aprovar legislação pró-aborto. Disse que, quando uma pessoa se empenha no trabalho, para levantar recursos econômicos, a fim de realizar aquisições materiais, em verdade, não presta a entrega de dinheiro, mas, em última instância, tempo de vida. Tempo de vida este que, passa e não volta, é irrecuperável. Declarou que uma das prioridades de seu governo seria a saúde pública, em outra mão viabilizando a legalização do consumo da maconha. Foi uma grande liderança política no sentido de promover políticas sociais no interior do seu país, e azeitar a integração econômica do Mercosul, articulando acordos com Lula e Cristina Kirchner. Representou os interesses de sua nação junto ao governo norte-americano, aquando o Executivo Federal daquela potência era ocupado por Barack Obama. Em que pese ter apelado para os meios paramilitares na consecução do seu projeto político, era uma liderança popular e carismática, querido dos seus compatriotas. Isso muda a relação de forças, seja ela o domínio do Estado sobre a sociedade, ou da sociedade sobre o Estado. Com Mujica no poder, havia a mais absoluta reciprocidade e indeterminidade de quem era o continente e o contido. Em linhas gerais, parece que as urnas e a própria História, sacramentaram a trajetória deste personagem latino-americano. Na narrativa de êxitos e fracassos da esquerda mundial, Mujica ingressa num dos capítulos da trama, como aquele que consolida seu espaço de protagonista bem-sucedido, na função de revolucionário de uma pequena república do orbe, nesse incessante movimento de vai e vem. Revoluções, contrarrevoluções, sociedades democráticas socialistas. Enquanto os uruguaios choram a morte de seu líder, o presidente Lula celebra vários acordos de partenariado com a China, trazendo infraestrutura, indústria, tecnologia, recursos financeiros e toda sorte de arrimo à economia brasileira. O Uruguai, grosso modo, é um país desenvolvido. O que pesa ao cidadão dessa coletividade é o custo de vida. Esse alto custo reflete a ausência de uma economia de escala. A saída para esta aporia coincide, em meu ver, com a ampliação do mercado. É preciso transcender os horizontes uruguaios e estender o comércio para o bloco do Cone Sul. O que interessa aos latino-americanos, entretanto, é o oposto às intenções dos países do capitalismo central. Quem, num primeiro momento, foi tido como bandido, na sequência, foi recepcionado como bom governante. E agora vem o evento incontornável: a morte. O falecimento de Mujica faz a nossa atenção convergir para isto: vários líderes globais, de calibre pessoal sem par, sofrem a ação do tempo sobre seus corpos. Isso nos desperta para a necessidade de, continuamente, formar novas lideranças. O legado de Mujica fica aí para quem é jovem: olhar para o mundo como um campo passível de transformações. É possível mudar o mundo para melhor. Antes que toque o último clangor da trombeta, que sinaliza a duração de nossa existência, haverá tempo para realizar o que foi estatuído e confiado à nossa comissão. Não temos o direito de desertar, é lutar ou lutar. Mujica combateu o bom combate, correu a boa corrida. Aos que se empenham em edificar o paraíso no andar de baixo, hão de gozar o paraíso no andar de cima, para surpresa e ironia de seu ceticismo. O grande irmão (Brasil) não se prive de aprender auspiciosas lições de vida com o pequeno irmão (Uruguai). Aprendizagem e experiência sempre são luz!