Página Inicial | Colunistas | Operação Contenção

Operação Contenção

Bem-aventurados os mansos de coração!

Por Cleverson Israel 18 min de leitura

No dia 28 de outubro de 2025, a polícia adentrou aos Complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, dizimando parte das vidas humanas que ali estavam. Segundo contagens não oficiais, o número de mortos rondaria a casa das duas centenas. O procedimento viria a ser uma etapa do que se nominou como “Operação Contenção”. Os moradores ficaram em pânico. Absolutamente previsível: o indivíduo entra em pânico quando sente que a sua existência está ameaçada, seja pela ação de agentes estatais norteados pela necropolítica, seja por transtornos psíquicos, como depressão ou esquizofrenia. Evidente o marcador calcado no recorte de classe social e raça. Como dizem os intelectuais negros, há pele alva e há pele alvo. Talvez, sem externar para outras pessoas por vergonha de assumir o que pensa, o recebedor da notícia, em seu foro íntimo, aquiesce ao que se consumou. Por quê? Porque tem a noção de que pessoas periféricas, em maior ou menor grau, compactuam com a criminalidade e com os próprios criminosos. Permita-me, amável leitor, dizer-lhe algo: as pessoas moram em ambiente de favela pelo simples fato de o seu potencial de renda não lhes permitir residir em espaço mais adequado. Esse nicho habitacional, quase sempre remoto e mal servido de infraestrutura, regra geral, abriga traficantes e outros criminosos. Se há alguma cumplicidade entre moradores e traficantes, é porque essa aliança precária se apresenta como imposição. O Estado nunca oferece um espaço cem por cento livre dos traficantes. De tempos em tempos, “para mostrar serviço”, o Estado realiza operações violentas nas favelas, sob o pretexto de combate ao tráfico. E o saldo se exprime no número de pessoas mortas, indiferentemente, trate-se dos fora da lei ou de meros moradores. É a política-extintor: quando as labaredas estão altas, derrama-se um balde d’água fria, para amenizar o aspecto da coisa. Sempre, todavia, zelando para que o fogo jamais se apague totalmente, pois é necessário que uma fagulha continue crepitando. É preciso que existam traficantes. É preciso que exista um problema para que se possa apresentar uma solução. Partidos de siglas e ideologias diferentes manipulam esse fenômeno (que é também) midiático para catapultar votos. A pauta da segurança pública tem o poder de fabricar um político. Nesses dias, vi uma notícia que informava o público de que o comunicador Carlos Massa, vulgo “Ratinho”, adquiriu residência paraguaia. Seu objetivo, com toda certeza, tem como escopo melhor organizar suas finanças diante do fisco brasileiro. Tudo bem, até aí, na legalidade. Entretanto, recupero o início do fio da meada. O modo como Carlos Massa se projetou na mídia e na política foi este: conduzindo um programa de jornalismo policial, de baixo nível conceitual, descendo um porrete sobre a bancada do estúdio. Fazendo comentários aviltantes e ameaçadores após a exibição de crimes, os mais variados, em face dos seus autores. A estratégia da extrema direita é o pânico, o tumulto, o delírio. Não se combate um inimigo real, combatem-se inimigos fabricados, sem existência concreta. Pode-se mentir de todas as maneiras possíveis, desde que essas inverdades reforcem a narrativa. O que aconteceu no Rio de Janeiro é genocídio, é crime contra a humanidade. Além de o Estado não defender as pessoas de baixa condição econômica e social, em situação de vulnerabilidade, ele se apresenta como o grande violador, o grande agressor e genocida. É um absurdo que isso ainda ocorra em pleno século vinte e um. As chacinas, tal como esta última relatada, mais parecem um holocausto dedicado a um pseudodeus, denominado “coletividade”. Essas mortes são, como que, uma expiação de nossos pecados sociais (quando, a rigor e coerentemente, deveriam ser um ultraje). Mais que programas de transferência de renda e quotas universitárias e no setor público, é preciso que desenvolvamos alteridade. Quem mata o outro, com brutal dessensibilização, não vê, nele, seu “alter ego”. Falta empatia, compaixão, senso de irmandade. A violência nada resolve, ela é apenas mais um problema a ser resolvido. As famílias catarinenses nos solidarizamos com as famílias cariocas atingidas por essa brutalidade. Acreditamos que um país sério e ético não pode tolerar intervenções contra seus cidadãos da mesma natureza desta em questão. É dever do Estado fiscalizar a atuação dos seus agentes. Quando o chefe do executivo respalda tão deploráveis atuações estatais, sobretudo envolvendo milicianos, por definição armados, é caso de responsabilização judicial e criminal. Aos colegas jornalistas, suplico encarecidamente: não tomem o lado do agressor! A mídia tem o poder de humanizar e civilizar a sociedade. Inculquemos no destinatário de nossas mensagens o senso de moralidade e amor aos compatriotas. Paz e justiça social são luz!