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200 anos da primeira Grande Carta

Em 25 de março que passou, rememoramos a Constituição Brasileira de 1824, o advento dos seus duzentos anos. Para compreendermos a elaboração desse documento político e jurídico, devemos resgatar algumas datas. Uma delas é o 1808, ano em que a família real portuguesa teve de vir para o Brasil para fugir da fúria do general […]

Por Israel Minikovsky 15 min de leitura

Em 25 de março que passou, rememoramos a Constituição Brasileira de 1824, o advento dos seus duzentos anos. Para compreendermos a elaboração desse documento político e jurídico, devemos resgatar algumas datas. Uma delas é o 1808, ano em que a família real portuguesa teve de vir para o Brasil para fugir da fúria do general francês Napoleão Bonaparte. Por motivos de várias ordens, sobretudo por razões econômicas, a independência do Brasil, em 07 de setembro de 1822, foi outro marco importante, que antecipou a chegada do referido óstraco. Essa nossa primeira constituição não foi promulgada, mas outorgada. Para redigir a Constituição, o imperador nomeou dez juristas de notório saber jurídico e, acima de tudo, de sua pessoal confiança. O sistema legislativo previsto na Carta era bicameral. Os membros da Câmara Alta eram nomeados pelo monarca. Mas, através do Poder Moderador, o imperador dominava a Câmara Baixa e todos os demais poderes. A estruturação dos poderes do Estado, portanto, era acima de tudo simbólica. Mais consultiva do que deliberativa. O Estado figurava como o grande sol central. O texto ainda estava contaminado pela mentalidade do absolutismo. O poder sufragante era para poucos. Homens, alfabetizados, pessoas com um nível determinado de renda. Isto posto, mesmo que o diploma legal não aluda às pessoas antes escravizadas, neste modelo fica claro que, pelos critérios nele insculpidos, não há espaço para manifestação para pessoas marginalizadas, decorra essa marginalização de fatores raciais ou outros. Essa nossa primeira constituição foi a mais longeva, 67 anos. Faço gizar que, nas épocas remotas, em 67 anos, ocorriam menos acontecimentos socialmente relevantes do que ocorrem, nos dias de hoje, em seis meses. Hoje, no Brasil, estamos vivendo um momento de retrocesso democrático. Contudo, em 1824, o clima era de progressismo. E, se neste instante, tomamos contato com os dispositivos que integravam a Constituição de 1824, e neles vemos defasagem, isso se deve ao tempo transcorrido. Em verdade, para a época em que se consubstanciou a referida Lei Suprema, ela exalava vanguardismo. Isto porque, o ponto societal e cultural de referência era bem outro. Quando um engenheiro observa um mecanismo concebido em 1824, se não tiver crítica, nele verá algo risível. Com o jurista não é diferente. A cada período, o seu correspondente. Em todas as áreas. Marilena Chauí ensina que os filósofos sempre quiseram explicar a realidade pelos seus conceitos, quando, no plano fático, é a realidade histórica que explica as teorias dos filósofos e não o inverso disso. Na esfera jurídica o mesmo ocorre: Não é a Constituição de 1824 que explica a condição da civilização brasileira em princípios do século XIX, mas é a realidade mesma que nos induz à compreensão dos méritos e das limitações de nossa primeira constituição. Aproveito este espaço para dizer que, nem sempre, a mudança é para melhor. Não raro, muda-se para retroceder. É uma questão de lógica, se a coletividade tem uma constituição avançada, é provável que uma mudança brusca promova retrogradação. Fiquemos, pois, atentos, quando agitarem bandeiras para uma nova constituinte. O momento histórico não poderia ser pior para se reformar o direito constitucional. A nossa primeira Constituição tem essa face: a noção de que algo bom tem de ser feito por especialistas, e que a sociedade não está preparada para participar dos debates. Não obstante, resta firmado, atualmente, o entendimento de que o direito constitucional, e toda a legislação infraconstitucional, precisa envolver a participação da sociedade, dos cidadãos que, em última instância, serão os destinatários da norma, aqueles que terão de adimplir o que for consignado no referente jurídico. A evolução do direito constitucional tem mostrado que, à medida que as concepções jurídicas vão sendo buriladas, a relação entre o administrado e o Estado, vai sendo redesenhada, no sentido de o Estado ser, cada vez menos, centro de empoderamento que realiza ingerências potestativas sobre a vida do indivíduo, e, cada vez mais, um garante das condicionalidades mínimas individuais, para que o bem comum, extensível à toda coletividade, seja alcançável e realizado. Direito Constitucional é luz!

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