Francisco

Ide à messe, ide ao povo de Deus!

Por Cleverson Israel 17 min de leitura

O papa Francisco (1936-2025) retornou às origens em 21 de abril do corrente ano. Somos pó e voltamos ao pó, viemos de Deus e a Ele retornaremos. A franciscanidade de Francisco principia com a escolha do nome papal e se estende às exéquias, destituídas em boa parte das pompas de costume. Francisco foi um clérigo fora de série, senão vejamos: primeiro papa jesuíta, primeiro papa das Américas, primeiro papa do hemisfério sul, primeiro papa não europeu em 1.200 anos, primeiro papa a chamar-se Francisco. Em tempo, o Francisco original que emprestou o nome, in casu, não é o Xavier e nem o de Sales, mas o de Assis. As principais bandeiras do seu pontificado foram a humildade, a misericórdia de Deus, o amor aos pobres e o ecumenismo. A tensão conservadorismo versus modernização não é uma mera questão ideológica. A força da Igreja Católica, socialmente falando, está nas massas. E quem “não é ministro, e nem magnata” (como diz a canção Zé Ninguém, do conjunto musical Biquini Cavadão) é forçado a entregar-se à dinâmica do mundo. Não compete ao homem médio decidir se ele quer integrar-se às “verticalidades do território”, como expressou Milton Santos, ou se ficará de fora. Ele é constrangido a fazer isso por necessidade de sobrevivência. Então, quando a Igreja condena um modo de ser e estar no mundo, de que o crente não pode se esquivar, ela está, indiretamente, banindo essa pessoa da comunhão, pois ela não dá conta de conciliar a vida do mundo e a vida do espírito. Sabedor dessa verdade, Francisco não abraçou o marxismo e nem tampouco a teologia da libertação, mas buscou ir ao encontro da vida concreta dos filhos de Deus, divorciando-se do modelo liberal capitalista. O local onde nascemos e nos criamos é muito impactante. Por consectário, um clérigo oriundo da mundividência europeia não pensa como pensa um clérigo periférico. Jesus nasceu na periférica Belém e encerrou sua trajetória ministerial na metropolitana Jerusalém. Francisco nasceu em Buenos Aires, de certa forma não tão periférica, frequentemente é a cidade mais conhecida da América do Sul pelos estrangeiros, e concluiu sua caminhada em Roma. A cidade que venceu o mundo, e que foi vencida pelo cristianismo. Esses doze anos de pontificado de Francisco mostram bem a natureza da nossa experiência no mundo, marcada pela provisoriedade. Francisco teve de resistir a ultraconservadores, sedevacantistas, anti-segundo-vaticanistas, dentre outros. Ninguém precisa estar filiado ao partido comunista, e nem precisa orgulhar-se de exibir a carteirinha de filiação, para provar que não compactua com as agruras estruturais do mundo. Francisco foi um destes libertários que não quis trocar seis por meia-dúzia. O dogma e a discussão dogmática têm o seu valor, porém, é necessário ser sal da terra e não sal do saleiro. A Igreja “de saída” e de acolhida concretizou-se com Francisco, ele que decidiu romper com a praxe de alguns antecessores, encalacrados em suntuosos aposentos, ao passo que o rebanho míngua, sobretudo no aspecto numérico. A América Latina foi a parte do mundo onde o catolicismo mais retrocedeu, nas últimas décadas, enquanto as igrejas evangélicas multiplicam-se. Enquanto, no Brasil, o Partido dos Trabalhadores sonha com uma presidente mulher e negra, há quem advogue que se deva envidar esforços para que o povo de Deus tenha um papa africano e negro. Embora o melhor sempre esteja com Deus, e não em outro lugar, hodiernamente, o jovem está mais propenso a sonhar com uma carreira no mundo empresarial do que dentro da Igreja. Em Florianópolis, na Sexta-Feira Santa, os fregueses faziam fila nas peixarias, convictos de que a observância alimentar é um valor espiritual. Em São Bento do Sul, a Igreja matriz do Centro teve superlotação durante a Semana Santa. Todavia, até que ponto o catolicismo é um ambiente de convergência e de transformação do mundo? De quem devemos falar bem? Dos católicos ou dos evangélicos? Dos fieis ou dos irreligiosos? Passando ao largo de proselitismos e de debates apologéticos intermináveis, penso que é dever de todo ser humano, independente de suas crenças religiosas, filosóficas ou políticas, ser uma pessoa de boa vontade. O ecumenismo de Francisco sinaliza para esta verdade, e eu diria que, a despeito de ele ter sido o líder geral da religião mais poderosa do planeta, ele pôde ser contado entre os homens de boa vontade. E isto fez valer tudo à pena o que ele realizou durante o curso de sua existência, que se espraiou por oitenta e oito anos muitíssimo bem vividos. Precisamos de novos franciscos, a Igreja precisa, o mundo precisa!