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Desordem mental: caso de fé ou ciência?

Recentemente, a Veja publicou matéria informando seus leitores de que, em 25 de janeiro de 2024, o presidente Lula habilitou 587 instituições terapêuticas, de perfil confessional, para receber dinheiro público. A título de exemplo, em 2023, instituições desse jaez, foram contempladas com R$ 237 milhões, o que extrapola a magnitude da verba direcionada para as […]

Por Israel Minikovsky 16 min de leitura

Recentemente, a Veja publicou matéria informando seus leitores de que, em 25 de janeiro de 2024, o presidente Lula habilitou 587 instituições terapêuticas, de perfil confessional, para receber dinheiro público. A título de exemplo, em 2023, instituições desse jaez, foram contempladas com R$ 237 milhões, o que extrapola a magnitude da verba direcionada para as políticas de saúde mental do SUS. O órgão de imprensa referido denunciou que, em tais ambientes, prevalece a fé sobre a ciência. Em qualquer espécie de oferta de política pública, ou você terá o serviço oficial ou o oficioso. Em se tratando de doença mental, ambos foram acolhidos. Não sem razão. O serviço de diretriz científica e técnica tem sua valia e função, mas não esgota a complexidade daquilo que vem a ser o humano. Invoco, aqui, a filosofia pragmática norte-americana: não importa se uma terapia é científica, anticientífica ou acientífica, se ela dá conta de reintegrar à sociedade o indivíduo a que é dirigida, o fato é que ela justificou sua existência e propósito. O inverso dessa descrição se afigura como outra verdade insofismável: pessoas partidárias de todo tipo de fé aportam ao CAPS, por mais que tenham buscado a própria redenção nos seus sistemas religiosos de crença. Isso sugere que não deve haver uma concorrência entre a oferta pública do serviço de saúde mental e aqueloutra vinculada às mais diversas denominações. A lógica não deve ser de oposição, mas de complementariedade. O que precisa, sim, é que haja uma eficiente fiscalização estatal sobre essas residências terapêuticas brindadas com repasses, a fim de que a verba do erário não sofra nenhuma espécie de tredestinação. Quanto ao princípio constitucional da separação entre Estado e instituições religiosas, compreendo que ele não seria vergastado pela aludida transferência de recursos, pois uma eventual vantagem auferida por alguma instituição confessional seria um efeito colateral, e não a motivação para sua liberação. A ideia seria fazer convalescer os dependentes químicos e não propiciar estrutura para a disseminação de um credo em desfavor de outros. O beneficiamento ideológico seria um reflexo, e não a meta perseguida. Não digo que os fins justificariam os meios, mas porém, no caso em fomento, não se vislumbra nenhuma perniciosidade de gravidade social ou jurídica. Às favas a ciência? Ora bem, não sou nenhum terraplanista e admiro personalidades científicas. Meu escopo não é relativizar a ciência, no entanto, mostrar que religião é coisa séria, absolutamente atual e adequada para as demandas do século XXI. É preciso que haja um entendimento e, por que não dizer, uma cumplicidade entre fé e ciência. É equivocado imaginar que devamos preferir uma à outra. Percorrendo páginas na internet, deparo-me com a notícia de que um médico psiquiatra britânico adquire o título de mestre em filosofia, aos plenos 95 anos de idade. E ele garante que vai arriscar um doutorado na mesma área. Essa situação tem o condão de mostrar que o ser humano não é uma realidade puramente biológica, e que a ciência, por mais que ela evolua, não esgota a hominidade da pessoa que somos, estejamos saudáveis ou enfermos. As orientações técnicas de todas as políticas reconhecem que “a oferta do serviço público deve se adequar ao perfil da demanda”. E não é que o perfil da demanda não se esgota na técnica e na ciência, os instrumentos de que o Estado se serve para acudir seus cidadãos, razão em função da qual tolerar as residências religiosas terapêuticas foi a única saída política percorrível? O Estado é, sim, o maior poder temporal. A ele, todos devemos nos sojigar. Inobstante isto, o maior de todos os poderes tem seus limites, não há como não se dobrar ante a realidade, exatamente do jeito que ela é. Por conseguinte, fica muito bonito malhar os lombos do Executivo Federal e fazer-se de paladino da ciência, fingindo preocupação com a saúde pública e a higidez fiscal, quando, em verdade, por trás da veiculação do conteúdo existe um grupelho ávido por esvaziar movimentos sociais, por manter todos os tipos de estratificação, seja por hierarquização ocupacional, seja pela promoção do que se chamou de cidadania regulamentada. O Estado faz muito bem quando apoia a sociedade civil organizada a fim de que ela procure solucionar as suas próprias demandas. O que não é treva é luz!

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