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De Santo Agostinho à impressora 3 D

Agostinho de Hipona (354-430), um dos maiores gênios do cristianismo, já havia se deparado com indagações desta natureza: se um homem perde parte de uma perna, com o desligamento do membro, estaria, de igual modo, perdendo parte de sua alma? Ele assegura que não. A revista Cell Stem Cell divulgou o resultado das pesquisas científicas […]

Por Israel Minikovsky 15 min de leitura

Agostinho de Hipona (354-430), um dos maiores gênios do cristianismo, já havia se deparado com indagações desta natureza: se um homem perde parte de uma perna, com o desligamento do membro, estaria, de igual modo, perdendo parte de sua alma? Ele assegura que não. A revista Cell Stem Cell divulgou o resultado das pesquisas científicas realizadas, ultimamente, na Universidade de Wisconsin-Madison. Segundo consta no aludido meio de comunicação, cientistas usaram impressora 3 D para tecer massa cerebral artificial, em linhas gerais, com características idênticas à natural. A ponto de a excrescência galgar capacidade simplética, dito de outro modo, é plenamente acoplável, reproduzindo as faculdades do tecido original, recebendo e transmitindo impulsos, perpetrando sinapses, com memória e raciocínio. Não é preciso ser grande intelectual para notar a dimensão filosófica da novidade. Retomo a noção de que cérebro e mente são coisas distintas. Seguindo a linha agostiniana, se quando perco massa cinzenta, não perco uma porção de minha alma, quando se me acrescenta um tecido orgânico novo, incólume permanece a alma. O software só roda no hardware, e, este, é um cadáver na ausência de todo e qualquer aplicativo. A notícia é de um teor assombroso. No entanto, convém pontuar o velho ensinamento da teologia: o homem sempre cria a partir de algo que já existe (Ex nihilo nihil fit), enquanto Deus cria do nada (Creatio ex nihilo). Tentar copiar, ou fazer algo semelhante ao que já existe, já é uma tremenda sabedoria. E nossos êxitos não devem relativizar a sabedoria de Deus, todavia, muito pelo contrário, a luz que refletimos deve ser uma reportação à luz maior originária. Na real, o experimento mostra que o cérebro, além de ser o único órgão que consegue pensar em si mesmo, agora passa a ser o único órgão que consegue reproduzir a si mesmo, por meios que não os exclusivamente derivados da cópula. A linha de pesquisa, recém-inaugurada, é promissora: mal de Alzheimer, síndrome de Parkinson, demências várias, e todo tipo de declínio cognitivo, em razão da idade ou de outros motivos, serão moléstias impactadas, caso não sejam definitivamente debeladas. Com uma impressora 3 D, posso produzir uma arma de fogo ou, como divulgo agora, um pedaço essencial do corpo humano. Mais uma vez emerge o caráter instrumental da inteligência humana. É bem por isso que a ética, uma antiga disciplina filosófica, não sai de moda ou caduca. Os meios estão cada dia mais sofisticados, entrementes, sempre sojigados ao livre-arbítrio. As ciências biológicas têm recebido um influxo tão intenso de mudanças, metodológicas ou de conteúdo, a ponto de, dentro da ética, ter sido instalada uma subárea, a bioética. Concorrem estas duas ideias ou valores: 1) beneficiar a saúde do ser humano, 2) à custa de meios de alta indagação axiológica. O progresso de todas as ciências renova, dia por dia, a necessidade de anunciar a Palavra de Deus de uma maneira antenada com o que acontece na aldeia global. Cabe aos teólogos, no mínimo, acompanhar tudo o que acontece nas universidades e nos laboratórios, apresentando o plano de Deus para o homem comum do século XXI, desconstruindo narrativas de incompatibilidades epistemológicas. Nenhuma outra religião cooperou tanto para a emergência e desenvolvimento científicos como o cristianismo. E agora, mais do que nunca, todo cristão e toda cristã, são desafiados a ser diferença no mundo, tanto produzindo mais conhecimento científico, quanto praticando os valores evangélicos anunciados pela pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Onde está o bem, ali está, outrossim, a inteligência e a sabedoria. Em muitas das vezes, a opinião pública é confrontada com temas como este, a respeito do qual estou a discorrer, e as condutas antiéticas se dão logo ali, na recepção de uma unidade básica de saúde. Por conseguinte, compreendo que devamos evitar “coar mosquistos e engolir camelos” (Cf. Mt 23, 24), o que, entrementes, não retira, de jeito ou maneira, o valor da presente reflexão que fiz convosco. Luz!

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