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Colonialidade, Decolonialidade e Religião

Desde o advento das grandes navegações, que coincide com a Renascença ou a Era Moderna, a geopolítica mundial foi redesenhada. Surge o complexo fenômeno denominado “colonialismo”. Tendo como postulado a divisão do domínio do globo traçada em reuniões frequentadas pelos governantes das potências europeias, o colonialismo subjugou as regiões periféricas do planeta ao cetro dos […]

Por Israel Minikovsky 21 min de leitura

Desde o advento das grandes navegações, que coincide com a Renascença ou a Era Moderna, a geopolítica mundial foi redesenhada. Surge o complexo fenômeno denominado “colonialismo”. Tendo como postulado a divisão do domínio do globo traçada em reuniões frequentadas pelos governantes das potências europeias, o colonialismo subjugou as regiões periféricas do planeta ao cetro dos países centrais. Foi um momento de dominação política, militar, econômica, cultural, religiosa, etc. Com a superveniência dos movimentos de independência, com as Duas Grandes Guerras e o impacto do socialismo sobre todos os países, o colonialismo cede seu lugar a algo menos agressivo, a colonialidade. Essa categoria se liga a um conceito étnico ou de fenótipo, o tipo branco, caucasiano, é apresentado como modelo de referência para tudo. É uma dominância que perpassa o ser, o saber e o poder. Toda uma hierarquia material e simbólica é estruturada a partir dos parâmetros de procedência metropolitana ou colonial. O colonial sempre é visto ou tido como menos, como inferior, como algo de reduzido status. Já o metropolitano é o valioso. As teorias, as ideologias, as mentalidades acatadas e praticadas nos países cuja experiência pretérita foi marcada pelo processo colonial e que agora, ao menos formal e politicamente, são considerados independentes, surge do intelecto de pensadores centrais. E o máximo que os intelectuais autóctones parece conseguirem fazer é isto, o que eu mesmo estou a fazer: descrever o quanto e de que maneira somos e perduramos mentalmente colonizados. Eu compreendo que essa discussão é de grande valia, porém, precisaríamos que ela fosse parte de um programa de estudos maior. Restringir-se a esta discussão ou fazer dela o maior objeto da atenção acadêmica é empobrecedor e deprimente. Já a decolonialidade é um esforço pensamental e práxico no sentido de questionar e fazer frente a colonialidade. A decolonialidade pretende substituir as premissas ou alterar a ordem em que elas estão postas. É uma tentativa de valorizar o que nunca foi valorizado, o marginal, o periférico. O esquema piramidal em que a cultura europeia ficava no topo e as culturas de outros povos, como os de afra ascendência e indígenas, restavam relegadas à base é afastado para ceder seu espaço a um novo modelo, horizontal, em que a noção de superioridade converte-se em noção de diversidade ou pluralidade. Os grupos sociais opressos são vítimas por aquilo que se faz com seus corpos e com suas culturas. Diariamente a mídia cobre abordagens estatais em que corpos negros, residentes de subúrbios, são alvejados sob o pretexto de fazer acontecer a segurança pública. Essa violência é a física, ocorre o extermínio objetivo e exterior do sujeito indesejado. Todavia, existe a violência simbólica, que se dá pela agressão contra a cultura praticada pelos remanescentes não vitimados pela chacina, o que inclui suas doutrinas e valores religiosos. De longa data, até pela hegemonia da Igreja Católica no Brasil, as religiões de matriz africanas foram perseguidas e reprimidas. Para dar nome a elas, falo de candomblé, umbanda e quimbanda. Na Bahia há um sincretismo muito grande entre catolicismo e religiões afrobrasileiras. E a aproximação entre os dois paradigmas religiosos reflete o conservadorismo ou liberalismo do bispo então respondente pela diocese, lembrando que o bispo soteropolitano é o Primaz do Brasil. Aprioristicamente, não fomento nenhuma rivalidade em face de outras religiões que não a minha. Entretanto, pontuo que os conceitos de colonialidade e decolonialidade são limitados e ficam restritos a abordagens meramente sociológicas, quando a religião, por seu caráter transcendente, está mais adiante, procurando resguardar o sagrado. Não se deve enxergar o cristianismo, simplesmente, como a religião do dominador. O sacrifício de Cristo na cruz oferece a salvação universal, abarcando todas as nações e etnias, quaisquer que sejam seus valores culturais ou estratificação social. Em tempo, começo a ver que estamos incorrendo em grave erro na filosofia que se produz no Brasil. Muitos intelectuais têm defendido um pensar filosófico contextualizado, que se adequaria à nossa realidade, mas permaneceria dentro dos seus horizontes que, para além de culturais, seriam geográficos. Alto lá! É uma generalização precipitada confundir universalidade discursiva com discurso dominador. Nossa razão é tão universal quanto a razão dos mentores dos grandes sistemas filosóficos. O que proponho, portanto, é que abracemos o cristianismo sem medo de estarmos abraçando uma visão de mundo que nos mata, pois Cristo principiou sua existência de uma maneira tão pobre como nós, senão mais, e que ousemos saber e pensar. Avocar um pensamento contextualizado, de alcance limitado, é uma confissão de incompetência. É assumir a menoridade intelectual. Ninguém se cansa de repetir à exaustão que é vítima do tal processo colonial? Ninguém quererá formular uma teoria de alcance universal, saindo da indolente infantilidade, assumindo o protagonismo necessário para debater, de igual para igual, com os ordenadores dos sistemas globais? Estudar é bom, mas precisamos sair da condição de aluno para a de mestre, ler é bom, mas precisamos encabeçar uma produção literária na qualidade de agentes pensantes. Parece-me ser bastante ético respeitar as culturas de procedência africana, o que é extensível às suas manifestações religiosas. Pontuo, entrementes, que devemos compreender o cristianismo e sermos capazes de viver a nossa própria cristandade, sem receio de que estejamos sendo absorvidos por algo que não diz respeito à nossa própria essência. Luz!

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