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Aprisionamento e liberdade

Um projeto de lei, sob a relatoria do deputado federal Guilherme Derrite (PL-SP), prevê o fim das “saidinhas” dos presos, e já avançou várias etapas daquilo que se costuma chamar “processo de iniciativa legal”, não faltando muito mais, para entrar em vigência, do que a sanção (ou veto, se houver discordância) do presidente da República, […]

Por Israel Minikovsky 16 min de leitura

Um projeto de lei, sob a relatoria do deputado federal Guilherme Derrite (PL-SP), prevê o fim das “saidinhas” dos presos, e já avançou várias etapas daquilo que se costuma chamar “processo de iniciativa legal”, não faltando muito mais, para entrar em vigência, do que a sanção (ou veto, se houver discordância) do presidente da República, Lula. Quando um preso está em processo de transição, passando do sistema fechado ao semiaberto, ele passa a ter direito de sair em datas específicas, sob a condição de retornar dentro de um prazo prefixado. Este instituto penal e processual penal existe para facultar ao preso uma preparação. Faz parte da chamada “reabilitação”. A extinção dessa sistemática terá como efeito gerar um choque no egresso, como quem sai de um forno e entra numa câmara fria, além de subtrair expectativa de mudança aos olhos de quem só vê paredes e grades. Quando, numa destas saídas, um preso comete um ilícito, a mídia assegura ampla cobertura e propagação da notícia. Escamoteando o fato de que milhares de presos saem, por exemplo, na Páscoa, e uma ínfima parcela desatende aos critérios impostos. Fosse pouco esse retrocesso legislativo, as más notícias não param. Um trabalho de reportagem mostrou que nas unidades prisionais das Minas Gerais é proibido o ingresso de livros de perfil heterodoxo. A polícia penal informa aos familiares do recluso: “só autoajuda e Bíblia”. Nenhuma leitura com poder transformador entra. Nenhuma literatura engajada ou libertária. Existe um mundo de livros que retrata a situação de pessoas presas, pobres, marginalizadas, vítimas de racismo, e por aí vai. Justamente estas obras, em que o preso consegue se enxergar, lhe são vedadas. Esses cidadãos foram empurrados para o sistema prisional por vários meios, inclusive pela radical privação cultural, para o que a leitura é um remédio, e, agora, que teriam o tempo para devotar-se à leitura, assistem à sonegação deste seu sagrado direito. O sistema é perverso. Quem manda não quer a ressocialização do preso. Uma vez encarcerado, ao contrário do que se acredita, que o preso seja uma despesa, o encarcerado torna ricos quem tem interesse na locupletação do sistema. Depois que se entra por essa vereda, muito difícil é poder sair dela. Contrabalançando, em alguma medida, esta triste realidade, sou informado de que a Geração Z lidera a frequência em bibliotecas físicas e cultiva, mais que outras faixas etárias, a leitura de livro em papel. Isto mostra que a escrita, na modalidade de leitura ou na modalidade de escrita “strictu sensu”, é um mecanismo de geração de identidade. A escrita nos define, atribui-nos valor, diz quem somos ser. Tudo isso acontece quando os contemporâneos profetas, sedizentes “futurólogos”, anunciam o fim da escrita e do conhecimento como vêm sendo praticados desde que a humanidade passou a organizar-se como tal. Toda dificuldade de se integrar à sociedade tem como fundo uma insuficiência conceitual. A origem do problema é clara: falta de cultura e escolaridade. Já a solução não é tão pacífica, pois não sabemos como fazer com que o estudante desenvolva um sentimento de pertença à comunidade escolar. Ainda que saibamos muito bem que a escola é a instituição certa que, por várias razões, tem dado errado. É um círculo vicioso: os seres humanos em formação querem status e não almejam o universo da leitura e do conhecimento, porque não encontram nestes hábitats os centros para os quais convergem as loas de toda a sociedade. Os apenados do sistema prisional são os adolescentes que foram em busca do prestígio social no lugar errado, da maneira incorreta. Esta constatação deveria ser suficiente o bastante para enaltecer, mais do que de costume, os espaços de reprodução e criação de cultura e sentido. Uma existência limitante predispôs à criminalidade. O Estado, agora que se acha na condição de guardião, e poderia, de todas as formas, descortinar novos horizontes e ampliar a percepção dos internos, faz o exato oposto: cerceia o acesso aos bens culturais social e historicamente produzidos. Um verdadeiro absurdo! Deploramos existir pessoas que militem contra os interesses da coletividade, mas se a coletividade milita contra os interesses dessas pessoas, não estaríamos respaldando a conduta antissocial que classificamos como indesejadas? Luz!

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