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Mais um lançamento de Lipovetsky

Novidade filosófica!

Por Cleverson Israel 18 min de leitura

Gilles Lipovetsky, o pensador francês conhecido como “o filósofo da hipermodernidade”, acaba de lançar mais um livro: “A Nova Era do Kitsch: ensaio sobre a cultura do ‘excesso’”. Antes que o amável leitor consulte o pai dos burros, adianto que Kitsch é um termo empregado para se referir a algo marcado por forte sentimentalismo ou que encarna a orientação daquilo que é majoritário. Essa massividade vem a ser um fenômeno cultural que evolui de algo de mau gosto para um fenômeno sistêmico e global. Assiste-se à busca hedonista pela felicidade na sociedade de hiperconsumo. Todavia, engana-se quem, ao lado de Marx, enaltece a mercadoria como a grande oferta dessa sociedade. As pessoas não querem bens concretos e duráveis. Tudo se resume a gozo e fruição, as pessoas querem sensações e prazeres. Ao mesmo tempo em que Lipovetsky critica a sociedade de seu tempo, ele alerta que a filosofia, ao contrário do que muitos acreditam, não é um recôndito onde as pessoas encontrarão a felicidade, segundo promessas de alguns, em contraposição a tudo o que aí está. O filósofo referido aconselha: “Se quer viver melhor, apaixone-se, tome Prozac, não busque na filosofia”. Nosso amigo francófono, deveras, pode estar certo. Quiçá, a filosofia não sirva para nos fazer felizes, no entanto, bem compreendida, ela nos torna mais fortes. Tão ou mais importante do que ser feliz, é encontrar recursos em si mesmo no momento da infelicidade. Cumpre ressaltar que, como muitos termos empregados na disciplina de filosofia, “felicidade” é um verbete plurívoco. Os próprios filósofos, de diferentes vertentes e vieses, fazem alusão à felicidade em acepções distintas. Boa parte dos intelectuais da área usa o vocábulo “felicidade” no sentido de “autarkeia”. Traduzido ao pé da letra, este significante viria a ser, em Língua Portuguesa, exatamente o mesmo que “autarquia”. Com efeito, a proposta da filosofia convergiria para a noção de acordo com a qual nós devemos ser indiferentes a tudo aquilo sobre o que não temos ingerência, e controlar os próprios sentimentos, as próprias emoções e os próprios pensamentos. Apatia ao mundo objetivo e domínio próprio seriam os ingredientes da receita para sofrermos menos e, na medida do possível, sermos felizes. A cada nova publicação, na seara da literatura filosófica, parece que alguém se propõe a dar o golpe derradeiro na filosofia enquanto plataforma de saber. Ela não serviria para explicar o sentido da vida, não serviria para estruturar conhecimento a respeito do mundo no qual vivemos, não serviria como teoria revolucionária de transformação da realidade social, não serviria como método, e, se não bastasse, quando fora anunciada como lição acerca da obtenção da felicidade, agora vem Lipovetsky, para nos dizer que, também para isso, ela é, outrossim, inútil. Paradoxalmente, a filosofia não apenas continua atraindo leitores, porém, há um crescendum em relação a ela. Ela faria prova de que nem tudo carece de ter um valor de uso. Sobretudo no alcance próximo, imediato e pragmático. O que, no passado, embalou o pensamento crítico foi a situação de escassez de quem integrava a classe trabalhadora. Neste instante, a crítica é ao excesso, à pletora. A humanidade padece de infelicidades de caracteres diferentes, mas sempre está insatisfeita. De igual forma, os filósofos não perdem a oportunidade de tecer toda a crítica ao seu alcance. Nenhuma solução, entrementes, é apontada. Bem provavelmente, por não se fazer necessário. Aristóteles nos deu a chave que abre a prisão, a epiqueia, o estar na posição mediana. É preciso fugir dos extremos. É preciso desacelerar. A filosofia, em suas muitas mutações, continua a ser o que sempre foi: um espelho. Nela, nós nos enxergamos. Sem visão de si, não há autocrítica. Sem autocrítica, não se evolui. A evolução parte do aprimoramento do próprio eu. Esse é o “Conhece-te a ti mesmo”! No passado, havia o lapso de um século entre o que era difundido na Europa, no campo pensamental, e o que circulava nos ambientes intelectuais brasileiros. Com a globalização, esse intervalo foi suprimido a praticamente zero. Digo isto, para nortear o amável leitor de que, a leitura do filósofo, cuja obra se acha em pauta, é de grande valia para compreendermos não só a realidade francesa ou europeia, mas a nossa própria. A hominidade e a universalidade que marcam a literatura filosófica é o grande mote a conquistar leitores, de diferentes lugares, de diferentes épocas. Já houve quem começasse lendo pensadores brasileiros, e terminasse nos franceses. E, claro, não poderia ser diferente, houvera estudiosos focados na compreensão dos pensadores de centro, e que, em dado instante, convergiram para a leitura de autores nacionais. Pensar é movimentar-se. Consoante reza o conselho einsteiniano, “a vida é como andar de bicicleta, é preciso estar em movimento para não perder o equilíbrio”. Razão em virtude da qual se recomenda a visitação do lançamento deste ilustre pensador. Reflexão é luz!